"30 mil denúncias por ano são apenas a ponta do iceberg"

Sandra Cunha, Elisabete Brasil e Cecília Honório juntaram-se no ciclo de debates online “Ao Encontro", desta vez sobre as respostas políticas no combate à violência doméstica e na proteção das suas vítimas.

Esta terça-feira foi transmitido em direto no Facebook mais um debate online do ciclo “Ao Encontro”, promovido pelo Esquerda.Net, desta vez com o tema “Nem mais uma – travar a violência doméstica”. Juntaram-se ao debate Sandra Cunha, deputada do Bloco, Elisabete Brasil, presidente da FEM - Feministas em Movimento, e Cecília Honório, do gabinete da vereação do Bloco em Lisboa.

A deputada Sandra Cunha abriu o debate afirmando que “a consistência e a persistência dos números da violência doméstica no nosso país mostram que este é um problema estrutural na nossa sociedade”. Alertou que as “30 mil denúncias por ano da violência doméstica são apenas a ponta do iceberg”, pois os estudos disponíveis mostram que em Portugal os números reais são muito superiores.

Sendo a violência doméstica o crime que mais mata em Portugal, “a maioria das mulheres que foram assassinadas já tinham histórico de violência doméstica e muitas já tinham pedido ajuda às autoridades, o que demonstra a existência de uma elevada taxa de reincidência, mas também que estamos a falhar redondamente na proteção destas mulheres”.

“O tempo das vítimas não é o tempo da justiça, nem da intervenção social”

Questionada sobre o que se pode fazer para combater com eficácia o crime a violência doméstica, Elisabete Brasil explica que a “a violência doméstica é parte da violência exercida contra as mulheres e tem uma causa estrutural”, que é a desigualdade de género. Para a presidente da FEM, “estamos sempre a cuidar das vítimas, mas trabalha-se pouco ao nível da prevenção primária, na raiz do problema, que possibilite a transformação social”. Falta educar para a igualdade, pois a violência é uma das manifestações da desigualdade.

Elisabete Brasil relembra os números: do total das vítimas, segundo estudos nacionais e internacionais, apenas 10% assumem que são vítimas e só 1% chega aos serviços de apoio. “Uma em cada 3 mulheres em Portugal é ou foi vítima de violência nas suas relações de intimidade”. Como resposta no âmbito da política pública, Elisabete aponta para o investimento na educação, pois jovens mais informados mais facilmente realizam denúncias e fará diferença também na forma como se relacionam uns com os outros.

Portugal não tem ainda serviços bem distribuídos para que as vítimas tenham confiança e peçam ajuda. Elisabete considera necessário mudar o sistema de apoio, pois “o tempo das vítimas não é o tempo da justiça, nem da intervenção social”.  Os serviços respondem a uma tipologia de vítimas, essencialmente através de casas de abrigo e equipamentos de emergência, mas isso não basta, pois fica muita gente de fora, apontou a presidente das Feministas em Movimento.

Lisboa precisa de uma resposta plural e pluridisciplinar

Cecília Honório iniciou a sua intervenção salientando que “em Lisboa, mais de 60% das vítimas não fizeram nada”, não apresentaram queixa, nem denunciaram a situação. E que em Portugal, “além da baixa taxa de denúncia, há também uma baixa taxa de condenação”.

Para Cecília Honório, é necessário criar uma resposta mais próxima, através de um sistema que dê a necessária confiança às vítimas, protegendo-as também dos riscos de perda da guarda dos filhos. E deu os exemplos da campanha feita em Lisboa para apelar à denúncia e vencer o silêncio, ou a recente linha de apoio psicossocial criada pelo município e direcionada a crianças, idosos e a vítimas de violência de género. E destacou ainda a criação de uma resposta específica para as mulheres sem-abrigo da cidade.

“Responder com dignidade a estas mulheres era dizer-lhes que elas deveriam ter um espaço próprio, uma resposta própria, onde pudessem viver em conjunto e ao mesmo tempo encontrar formas de garantir os seus direitos”, afirmou.

Mas para além do trabalho desenvolvido nos últimos anos por iniciativa do pelouro bloquista dos Direitos Sociais na Câmara de Lisboa, Cecília Honório sublinhou o que ainda está por fazer. Embora as entidades já trabalhem em rede, há uma grande carência de resposta pública, plural e pluridisciplinar, e uma das principais exigências passa pelo reforço no atendimento e acompanhamento de quem procura ajuda.