Bloco de Esquerda quer promover a Formação Profissional e o Combate à precariedade no Setor da Pesca
O setor da pesca em Portugal abrange um conjunto variado de artes, embarcações e estruturas organizativas. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no final de 2019 encontravam-se registados 14 617 pescadores, distribuídos por 3 902 embarcações licenciadas e associadas a 46 portos de referência. Do total de profissionais matriculados, a maioria está inscrita na pesca polivalente (65,1%), seguindo-se o cerco (13,3%), a pesca em águas interiores (11,2%) e o arrasto (10,3%). Os profissionais da pesca associam-se em 17 organizações de produtores e mais de 50 associações de pescadores espalhadas pelo Continente e pelas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
O universo das pescas no país é diverso e heterogéneo, mas a precariedade das relações laborais é uma característica comum no setor. Os vínculos laborais entre armadores e pescadores são frequentemente desprovidos de contrato e muitas vezes assentes em acordos informais, como a divisão em partes ou quinhões dos proveitos das capturas. A informalidade e precariedade do trabalho nas pescas prejudicam os pescadores, deixando-os desprotegidos e suscetíveis ao abuso patronal. Os apoios públicos ao setor da pesca devem beneficiar apenas aqueles que garantem trabalho estável e com direitos.
Além da precariedade, o trabalho nas pescas acarreta sérios riscos para os trabalhadores. A prática de horários de trabalho longos, imprevisíveis e erráticos, associada a condições meteorológicas instáveis, provoca efeitos muito negativos nas condições de saúde e segurança no trabalho dos profissionais da pesca. Em 2019, registaram-se 743 feridos e duas vítimas mortais, resultado de naufrágios, quedas à água e acidentes a bordo. Para proteger estes trabalhadores, as entidades competentes devem realizar ações inspetivas e de sensibilização recorrentes e sistemáticas por forma a que as exigências de saúde e segurança a bordo sejam garantidas.
Os profissionais da pesca apresentam, de uma forma geral, um nível baixo de escolaridade. Os Censos de 2011 revelaram que uma elevada proporção (41,3%) destes trabalhadores possui apenas o 4.º ano de escolaridade e uma percentagem significativa (8,5%) não completou qualquer grau de ensino. Existem poucos dados acerca das qualificações e das necessidades de novas competências profissionais. São necessárias políticas públicas que promovam a formação profissional destes trabalhadores, em articulação com os períodos de defeso, capacitando-os não só para as situações específicas e riscos da sua profissão, como também para os desafios colocados pela gestão sustentável dos recursos biológicos marinhos.
Muitos dos conflitos no setor da pesca associados aos recursos marinhos surgem de perceções erradas sobre os impactes das artes no meio marinho, de informação incorreta sobre o estado das unidades populacionais das espécies com valor comercial e sobre o desconhecimento dos fundamentos da gestão sustentável dos recursos haliêuticos. A formação profissional alargada a estes âmbitos terá o potencial de capacitar os profissionais da pesca para os desafios atuais e futuros colocados pela atual crise ambiental e climática.
Considerando que o setor se rege pela Política Comum das Pescas (PCP) que atribui apoios públicos para a sua concretização através do Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), é imperioso assegurar que estes apoios cumprem de forma eficaz os objetivos para os quais foram designados. A PCP tem como finalidade assegurar que as pescas são ambiental, económica e socialmente sustentáveis, garantindo um nível de vida justo para as comunidades piscatórias. Como tal, é necessário assegurar que os beneficiários de apoios públicos contribuem para a estabilidade das relações laborais no setor, providenciando condições dignas de trabalho e práticas que se coadunam com a boa gestão e a sustentabilidade dos recursos piscícolas.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
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Proceda, durante o primeiro semestre de 2021, à recolha de informação sobre as qualificações profissionais no setor da pesca, bem como sobre as necessidades de formação profissional.
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Elabore, durante o segundo semestre de 2021, e com base no disposto pelo n.º 1, um plano nacional de formação profissional para o setor da pesca, implementado e monitorizado pelos ministérios com a tutela das áreas governativas do Mar, do Trabalho e do Ambiente e Ação Climática, após auscultação e em articulação com os/as profissionais do setor, e que inclua os princípios da pesca sustentável, da conservação dos recursos biológicos marinhos, do bom estado ambiental do meio marinho, e da mitigação e adaptação às alterações climáticas.
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Tome medidas, no âmbito da transposição da Política Comum das Pescas através do futuro Programa Operacional de Portugal para o período 2021-2027 do Fundo Europeu para os Assuntos Marítimas e das Pescas (FEAMP), de forma a assegurar que todos/as os/as beneficiários/as de apoios comunitários e nacionais:
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garantam as necessidades de mão-de-obra através de contratos de trabalho e sem recurso à subcontratação;
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apresentam, no âmbito das suas candidaturas para o período em que beneficiam de apoios públicos, planos de formação profissional enquadrados no plano nacional definido pelo n.º 1, de forma a suprir as necessidades de formação e a responder, no mínimo, à exigência legal da prática de um mínimo de 35 horas anuais de formação profissional.
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Assegure o acompanhamento e fiscalização do cumprimento dos planos de formação profissional referidos na alínea b, do n.º 2, através da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho e/ou das entidades com competência inspetiva no setor, garantindo que os centros de formação profissional contam com maior envolvimento consultivo dos parceiros sociais.
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Atribua aos Sindicatos e às Comissões de Trabalhadores, representativas dos/as trabalhadores/as afetas às entidades beneficiárias, o direito a elaboração de parecer prévio, a remeter à Autoridade para as Condições do Trabalho, que, com base no referido documento, emite parecer vinculativo sobre medida de majoração extraordinária dos apoios públicos provenientes do FEAMP, ou de outros apoios públicos atribuídos ao setor, a definir pelo Governo e a atribuir em função de indicadores concretos que comprovem o respeito pela legislação laboral vigente.
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Garanta que todos os projetos de apoio subsidiários do futuro Programa Operacional de Portugal para o período 2021-2027 do FEAMP, ou de outros apoios públicos atribuídos ao setor, recebem assistência técnico-científica durante a vigência do futuro Programa Operacional, garantida pelos serviços dos ministérios com a tutela das áreas governativas do Mar e do Ambiente e Ação Climática, ou através de estruturas associativas locais devidamente capacitadas.
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Proceda à realização de ações inspetivas de âmbito nacional, com periodicidade anual, em articulação com a Autoridade para as Condições do Trabalho, com vista, nomeadamente, à sensibilização para a necessidade de regularização da situação laboral dos/as trabalhadores/as do setor, bem como de eventuais violações de regras de saúde e segurança no trabalho, e à investigação das condições de trabalho e de situações de exploração e tráfico laboral.