Bloco questiona ministra da Agricultura sobre o Plano Estratégico da PAC
Srª ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes,
Da última vez que veio ao Parlamento, há duas semanas, também a requerimento do Bloco de Esquerda, deixou muitas dúvidas por esclarecer. Afirmava que iríamos conhecer a proposta do Governo para o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum no dia 15 de Novembro. Acreditámos que, pela primeira vez, iria cumprir com a sua palavra a respeito da publicação deste documento que define a aplicação de 10 mil milhões de euros em subsídios públicos até 2027. Marcamos uma audição para esta semana para que todos tivéssemos pelo menos uma semana para o estudar e agora esclarecer consigo as dúvidas que subsistissem. Mas, mais uma vez, a senhora ministra falhou o prazo e só o tornou público na passada 6ª feira. Parabéns senhora ministra. Hoje, esta audição é prejudicada por isso.
Esta limitação não se coloca apenas ao Parlamento, mas sim a todo o país, em especial ao seu próprio ministério. Não tinha de ser assim, mas foi essa a sua escolha. Contrariou as recomendações do Parlamento propostas pelo Bloco, não prestou cavaco à maioria das propostas da sociedade civil e fez um processo pouco transparente, negociado à porta fechada com os grandes proprietários agroflorestais e contra o interesse do país e das gerações futuras. Agora limita-se a colocar um documento grande e complexo em consulta pública durante 15 dias e tem menos de um mês para entregar a versão final à Comissão Europeia.
Srª Ministra: Considera que o tempo que lhe sobra é adequado para sensibilizar e instruir as pessoas, dar a conhecer a proposta, mobilizar a sociedade civil e as organizações sectoriais, ponderar e acolher os vários contributos? Considera que há condições para cumprir estes prazos e que o documento colhe o apoio do país? Considera ter legitimidade para entregar este Plano Estratégico?
Explique-nos como e porquê.
Senhora ministra, realmente a senhora não conhece a realidade agrícola e florestal do país nem as ferramentas de suporte à política pública como alguns dos seus antecessores conheciam. Joga a seu favor que eles também não fizeram melhor, é verdade. Mas a senhora ministra herdou apenas o que tinham de pior: é que não mete o dinheiro onde mete as palavras e isso basta para quem quer que tudo se mantenha na mesma. No parlamento e nas televisões faz notícias com chavões de sustentabilidade, de resposta às alterações climáticas e à coesão territorial, mas depois entrega o dinheiro aos mesmos de sempre e distribui umas migalhas aos pobres. Há por aqui quem se alegre com a política de caridade que aprofundou e que chega à pequena agricultura e à agricultura familiar, mas no Bloco de Esquerda não concordamos com esse caminho de marginalização. Enquanto metade dos agricultores não recebem um cêntimo, há 2% dos beneficiários que ficam com um terço dos subsídios. É para estes 2% que a senhora governa com esta proposta. Herdou isso dos seus antecessores do Partido Socialista e da direita que fizeram escola juntos nesta matéria.
O documento que o seu ministério colocou em consulta pública não é o plano estratégico que o país precisa. Não é sequer um plano estratégico. A proposta não passa o teste da coerência e da consistência. Trata-se de uma coletânea de peças avulsas, sem coerência e sem visão de conjunto. Não se encontra relação entre as medidas propostas, o diagnóstico e a estratégia a seguir. Não há avaliação dos sucessos e insucessos das medidas do quadro anterior face aos objetivos traçados, apesar de muitas dessas medidas se manterem. E sabemos que as necessidades atuais são muito distintas por vários motivos, em especial devido à urgência climática. A proposta do Governo é um documento que responde às suas clientelas, mas ignora as necessidades da maioria dos agricultores e produtores florestais, dos territórios rurais e das pessoas que lá vivem.
Permita-me que dê alguns exemplos que suportam as afirmações que faço:
1. O plano que está em discussão é para o período de 2023 a 2027, mas até lá continuam em vigor as medidas do quadro anterior recorrendo às verbas da nova PAC. A senhora ministra, em vez de apresentar ao público e ao parlamento as intenções de despesa pública da PAC em 2022, prefere dedicar-se ao lobby dos grandes proprietários. Só isso justifica que já tenha agendado uma apresentação destes dados com a CAP. Em contraste, há duas semanas, quando a questionei, a senhora ministra respondeu-me que não sabia se foram aceites as muitas candidaturas de pastagens à agricultura biológica, quanto custaram em 2021 nem quanto vão custar em 2022. Este ano houve um acréscimo de 450 mil ha em candidaturas à agricultura biológica, maioritariamente proprietários de terras não cultivadas que buscam apenas uma renda. Responda lá senhora ministra: O seu ministério aprovou estas candidaturas ou não? Quanto custou em 2021? Quanto vai custar no próximo ano? O PEPAC prevê 80 milhões de euros por ano para o ecoregime da agricultura biológica e 56 milhões para a produção integrada. Estas medidas agroambientais juntas representam 664 milhões de euros. Não seria mais eficiente aplicar este dinheiro em ecoregimes com objetivos concretos para a transição ecológica, monitorizáveis e com pagamentos em função de resultados em vez de entregar rendas fundiárias?
2. Na última audição a senhora ministra faltou à verdade. Questionei-a se o Governo ia disponibilizar a Avaliação Ex-Ante e a Avaliação de Impacto Ambiental que suportam a proposta de Plano Estratégico e respondeu-me, cito: “a avaliação ex-ante, como o nome indica é uma coisa que se faz depois”. A verdade é que é precisamente o contrário. A senhora sabe disso, até porque pagou a uma empresa para o fazer e já tem o trabalho em sua mão há largos meses e nunca o tornou público. Mas hoje, quem quiser participar na consulta pública que está a decorrer não tem acesso a esta informação essencial. Aqui temos um exemplo de como a senhora ministra está a boicotar a participação informada.
3. No plano consta uma medida agroambiental de uso eficiente da água com uma dotação de 26 milhões de euros. No caso da vinha e do olival, por exemplo, trata-se de um pagamento anual até 222€ por ha destinado a quem tiver o sistema de rega mais evoluído. Então, esta tecnologia que permite aumentar produções e reduzir despesas não se faz pagar a si própria? As explorações agrícolas que têm mais rentabilidade precisam desta ajuda? E que tal se utilizassem este dinheiro para apoiar a adaptação dos produtores mais vulneráveis à seca, que cultivam em sequeiro ou que não conseguem adquirir sistemas de rega mais eficientes e por isso correm o risco de parar a atividade? Certamente iria ter maiores benefícios sociais, ambientais e económicos, mas não, com a sua decisão, quem tem centenas de hectares de olival superintensivo vai receber dezenas de milhar de euros por ano em subsídios a troco de nada. Já os produtores de frutos vermelhos no sudoeste alentejano, com negócios rentáveis e tecnologia já aplicada, vão passar a receber um subsídio anual de 264€ por hectare.
4. Por fim, depois do recuo do governo, regressaram os pagamentos ligados do milho para grão, com 47 milhões de euros, numa conjuntura em que a cultura atingiu preços históricos e que por isso não justifica qualquer compensação a fazer. Senhora Ministra, Senhor Secretário de Estado, digam-nos lá o que vos fez mudar de ideias em relação a este subsídio e à necessidade de apoiar este sobrelucro de muito poucos produtores.
5. Reparem, falávamos há pouco da questão dos territórios vulneráveis… as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem têm 60 milhões de euros de apoios previstos, pouco mais do que aquilo que está a entregar como borla aos produtores de milho para grão. O que é que pesa realmente mais, o sobrelucro destes produtores de milho ou a transformação das paisagens nos territórios mais vulneráveis aos incêndios? Senhora ministra, as suas prioridades estão trocadas face ao interesse público e às prioridades que o país deve ter em relação à situação atual e ao território.
Deputado Ricardo Vicente
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