A Cidade está a ser construída ou destruída no seu centro histórico? [Newsletter: Lado Esquerdo]

O que se passa no centro da cidade mais parece um caso de polícia. Todos temos visto que o centro histórico está em obras desde há alguns anos. E todos verificamos que onde havia casas modestas e edifícios baixos com 1/2 pisos surgem agora edifícios novos com 2,3 ou 4 pisos, juntando, em alguns casos, dois ou mesmo três edifícios antigos, quase todos com garagem. Todos percebemos que se está perante uma transformação estrutural da ocupação do centro histórico quer em termos de população, quer quanto ao perfil funcional do novo edificado. Daí a pergunta: a cidade e o seu centro histórico estão a ser construídos ou destruídos?

Temos diante de nós aquilo a que se chama um processo de gentrificação do centro histórico, e que, de resto, tem acontecido noutras cidades, como Lisboa ou Porto. Em que é que consiste tal processo? No esvaziamento do que lá antes existia (habitantes, na sua maioria idosos, assim como comércio local histórico) com transferência, na melhor das hipóteses, para outras zonas da cidade; na construção de novas habitações muito mais caras em edifícios construídos de raiz, sobre-elevados, para albergar residências de luxo, estabelecimentos hoteleiros ou de turismo (alojamentos locais, residenciais); na obtenção de mais-valias imobiliárias que está a transformar as cidades antigas em cidades para ricos, especuladores imobiliários e o turismo.

Em vez de uma cidade para todos, onde se misturam gentes de todas as condições sociais e culturais povoa-se a “nova” cidade com recurso a processos de guetização que nada têm que ver com um urbanismo inclusivo: guetos para ricos e para pobres, zonas mono-funcionais da cidade, implicando grandes deslocações diárias em vez do que hoje em dia se aconselha fazer na renovação das cidades: “as cidades dos 15 minutos”.

Qual é o caso de polícia nesta história? É que tudo isto é feito nas costas dos cidadãos, debaixo do mesmo tipo de argumento “valorizar o território”, bem como à socapa de todos os órgãos autárquicos da cidade: Câmara Municipal, Assembleia Municipal e União das Freguesias de Leria, Pousos, Barreira e Cortes. É certo que todos os edifícios são objeto de licenciamento próprio. Mas quando se pergunta a que título é que se avança com as obras ditas de “requalificação do centro histórico”, qual é o planeamento que suporta os vários licenciamentos de obras, ninguém sabe de nada. Mas, no tempo da governação de Isabel Damasceno/PSD (2005-2009), ocorreu um processo de discussão alargado de participação cidadã sobre o futuro do centro histórico de onde resultou o compromisso de se fazer um Plano de Pormenor para a zona. Entretanto, não mais se soube se o tal Plano de Pormenor foi feito ou não.

Eis senão quando, num recente debate realizado na NERLEI, ficou-se a saber que, afinal, o tal Plano existe, a Câmara sabe dele e, no entanto, nada disse a ninguém, fazendo o que se chama “o veto de gaveta”. Como? Silenciando o assunto e empurrando com a barriga o status quo atual, ou seja, um lastro de “requalificações urbanas” decididas caso a caso, sem dar cavaco a ninguém.

É mais um efeito colateral de uma maioria absoluta na CMLeiria, cuja prepotência é irmã gémea da maioria absoluta do PS na Assembleia da República.

Texto: Heitor de Sousa