Entrevista: Andreia Galvão [Newsletter: Lado Esquerdo]

1. A época de incêndios em Portugal é um período particularmente crítico, que geralmente ocorre entre os meses de maio e setembro. Neste período, as altas temperaturas, a falta de chuva, os ventos fortes e a vegetação seca criam condições ideais para a propagação de incêndios florestais, que muitas vezes se tornam difíceis de controlar. Na tua opinião, o que é que falta fazer para prevenir e combater esta problemática?

Embora haja incendiários e muitos problemas de preservação e cuidado florestal (problemas graves e por resolver no nosso país), o problema de incêndios não é exclusivamente de adaptação. É de combate às alterações climáticas. Mantendo o nível de emissões ao ritmo atual, é impossível que as temperaturas não continuem a aumentar tornando os incêndios mais prováveis. É preciso pensar na questão das florestas desta forma holística: para que vivam temos de as cuidar e de combater as alterações climáticas.

 

2. Quais são as tuas expectativas em relação ao futuro? É possível reverter os danos já causados pelas alterações climáticas ou estamos a caminho de um cenário irreversível?

Não estamos no bom caminho. A guerra de classes está mais acentuada, a temperatura continua a aumentar, as desigualdades planetárias igualmente. O capital brada mais alto do que qualquer uma de nós. Parece que nada vale a pena na mobilização até o momento em que vale. Será sempre a hora deste combate pela defesa da vida na Terra e da Humanidade no sentido lato. Dependemos desse momento e vivemos pela possibilidade de que aconteça. Não sabemos se acontecerá, se venceremos a luta contra as alterações climáticas e o Antropocentrismo. Mas talvez, talvez…

 

3. Como é que vês a relação entre o desenvolvimento económico e a preservação do meio ambiente? Existe um conflito entre esses dois objetivos ou podem ser conciliados?

Existe definitivamente um conflito. O desenvolvimento como o conhecemos é incompatível com as metas climáticas, é preciso pensar no futuro das nossas sociedades de modo diferente, no sentido qualitativo. Falamos muito disto no ecossocialismo. Queremos ter vidas com mais direitos, mais plenas, justas. Queremos crescer nos bens comuns, mas temos necessariamente de romper com o capitalismo que visa o lucro acima da preservação dos ecossistemas, das vidas das pessoas. O modo de vida como o prevemos está fossilizado e terá de mudar.

 

4. Como é que avalias o papel dos acordos internacionais no combate às alterações climáticas? São eficazes? O que é que pode ser feito para fortalecer esses acordos e ampliar sua adesão?

Os acordos têm sido ineficazes. Estamos na COP 27 e as emissões têm aumentado significativamente, o problema permanece e agrava-se. Os interesses económicos falam muito alto e certos agentes, como empresas multinacionais, têm mais poder real do que muitos governantes com assento na ONU. É um problema grave da democracia.

Apesar disso é importante que estas conversas ocorram. Muito importante. Mas têm de fazer acordos vinculativos e ambiciosos. As metas não podem ser só declarações de intenção, têm de assentar nalguma evidência científica. Os lobistas têm de estar fora das salas.

 

5. Qual é a importância da consciencialização da população em relação às alterações climáticas e à preservação do meio ambiente? Como é que podemos incentivar a inclusão desse tema nas escolas e na formação dos cidadãos?

A participação e o conhecimento público sobre os problemas climáticos são fundamentais. Só assim se podem criar mobilizações contra a inação política. Infelizmente, falta aos nossos dirigentes visão estratégica para planear o futuro de forma sustentável e possível. É preciso também contrariar a narrativa da ação individual que ao capitalismo tanto é benéfico. Não basta se cada um fizer a sua parte, quando uma empresa polui mais num dia do que uma pessoa na sua vida inteira. Temos de pedir ação coletiva, de modo a que possamos fazer as ações individuais possíveis nos nossos contextos. Para que as pessoas não andem de carro é preciso boas redes de transportes públicos, por exemplo.