“Maioria absoluta traz necessidade de fiscalização e exigência absoluta à esquerda”

No final da Mesa Nacional do Bloco, Catarina Martins falou nos riscos das maiorias absolutas como a permeabilidade a grandes interesses e estagnação de direitos, lembrando as “privatizações liberais” do PS que “tiraram ao país o controlo público de setores estratégicos” e a liberalização da legislação de trabalho.

O Bloco de Esquerda reuniu este sábado a sua Mesa Nacional tendo aprovado uma resolução(link is external) que fez balanço eleitoral e lançou as perspetivas para o futuro próximo da intervenção do partido. No final da reunião, Catarina Martins falou aos jornalistas para reiterar que o Bloco teve “uma derrota eleitoral pesada”, a qual começou a analisar nesta reunião e continuará a fazer através de plenários distritais e de uma conferência nacional em abril sobre o rumo estratégico do Bloco.

A coordenadora bloquista começou por explicar o processo que conduziu a este resultado, nomeadamente que o partido, em 2019, propôs um acordo ao PS “que este recusou”. Ao fazê-lo, destaca, “recusou todo um caminho de avanços no sentido de uma política de esquerda, fosse ela para um equilíbrio estrutural nas relações de trabalho, fosse ela para salvar os Serviços Públicos, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde”. Esta escolha “levou ao afastamento crescente entre PS e Bloco, não por uma questão meramente negocial mas por uma questão substancial dos caminhos do país: como responder a um país em que os salários estão tão desvalorizados e em que o SNS está a ser drenado para os privados pela inação do PS e do seu governo”.

Salientando que a decisão de votar contra os orçamentos do Estado para 2021 e 2022 foi feita por unanimidade nas reuniões deste órgão, Catarina Martins reconheceu que o Bloco “não foi capaz de comunicar as razões profundas do chumbo do Orçamento do Estado”. Para ela, a direção do partido quando decidiu estes chumbos “tinha consciência dos riscos eleitorais”, mas “não seríamos fiéis ao mandato pelo qual tínhamos sido eleitos se capitulássemos perante exigências básicas de avanço no nosso país”. O que passou foi que esta decisão foi "muito difícil de explicar" num cenário de “absoluta chantagem” do PS e com “um fenómeno artificial de bipolarização em que cavou muito o medo à esquerda de um governo do PSD que pudesse ser suportado na direita mais radicalizada”. A perda eleitoral do Bloco foi assim “maior do que a Mesa Nacional tinha previsto” e mesmo o Bloco contribuiu “porque acreditámos naquilo que os estudos nos diziam e direcionamos a nossa campanha também para o combate à direita porque nos pareceu que era prioritário”.

Aqui chegados, a maioria absoluta do PS “traz desafios enormes” e “uma necessidade de fiscalização e exigência absoluta” à esquerda. Para a porta-voz bloquista, “o país conhece as maiorias absolutas e sabe os graves riscos que comportam, nomeadamente enorme permeabilidade aos grandes interesses e de estagnação daquilo que são as condições mais básicas de vida de quem vive do seu trabalho e dos serviços públicos”.

O Bloco compromete-se a enfrentar estes desafios e terá “uma intervenção parlamentar muito combativa”. Entre as medidas com que vai abrir a legislatura, para além do já anunciado retomar do processo de despenalização da morte assistida, está também “um pacote robusto de combate à precariedade, incluindo o fim da duplicação do período experimental” e também uma intervenção sobre o estatuto do SNS e a valorização das suas carreiras. Isto para além da reposição dos debates quinzenais, que acabaram por acordo entre PS e PSD. Num quadro de maioria absoluta passa a haver “ainda maior necessidade de fiscalização” e se o Bloco “já achava importante” retomar os debates quinzenais, “neste cenário seria inaceitável que não fossem repostos”.

O partido reconhece também dificuldades no quadro político devido à direita radicalizada. O compromisso aqui é de uma “política de absoluta intransigência face ao Chega e à política do ódio”. “Assumimo-nos como somos: anti-racistas, feministas, acreditamos na igualdade entre homens e mulheres de todas as origens, de todos os credos, qualquer que seja a sua orientação sexual”, vincou Catarina Martins.

Mas a dirigente política não esqueceu a outra face da direita radicalizada, “a neoliberal, baseada no egoísmo e no ataque aos serviços públicos nos quais se funda a democracia e o Estado Social”. O Bloco promete igualmente “uma luta intransigente contra essa radicalização”.

E acredita-se que a oposição à liberalização também passará pelo combate à “deriva liberal dos governos do PS” que aconteceu “sempre que não foi condicionado pela esquerda”. Catarina Martins recordou que o PS “foi o partido das privatizações liberais, que tiraram ao nosso país o controlo público de setores estratégicos” e “foi também o partido da liberalização da legislação do trabalho e com isso a precarização de todo os trabalhadores”.

Por fim, o partido anunciou que a menos que haja orientações contrárias das entidades de saúde, vai retomar iniciativas presenciais. “O Bloco levou a sério a sua responsabilidade nas questões pandémicas e de segurança sanitária” mas já “não há nenhuma razão para não retomar”. O acampamento Liberdade, o ciclo de cinema Desobedoc, o encontro nacional do Grupo +60 ou o fórum Socialismo são alguns dos eventos na agenda bloquista para 2022.