Marisa Matias: "Sou candidata para fazer a campanha contra o medo"

No seu anúncio de candidatura, Marisa Matias afirma que fará toda a campanha "a ouvir, a dar voz à gente sem medo, a apoiar a coragem de quem cuida dos outros. Portugal precisa de saber quem são e de ouvir quem faz a vitória sobre o medo".

O esquerda.net publica o discurso de Marisa Matias no anúncio da sua candidatura à Presidência da República, no dia 9 de setembro no Largo do Carmo. O vídeo da apresentação está disponível aqui.


Estou aqui para vos dizer que serei candidata à Presidência da República e porquê. Mas antes de dizer umas palavras, deixem-me explicar porque pedi a vossa presença, aqui no Largo do Carmo, e vos quis ouvir. 

O país ouve falar todos os dias da pandemia e do sobressalto em que vivemos. Mas fala-se cada vez menos de quem todos os dias luta nos hospitais e centros de saúde, no rastreamento e na prevenção, para salvar vidas, para permitir a abertura das escolas, para proteger os idosos nos lares. O país sabe quem são, porque nos últimos meses contou com eles todos os dias.

O país contou com gente que olhou o medo nos olhos e foi à luta. Trabalhadoras das limpezas, como a Isabel Alcobia, que todos os dias cá estiveram, nos hospitais e centros de saúde como nos vários serviços, para garantir a limpeza, tantas vezes quando o país ainda não acordou. Trabalhadores dos transportes, como o Sérgio Sousa, que todos os dias cá estiveram para assegurar as deslocações quando o país acorda. Trabalhadores da recolha do lixo, como o Paulo Rodrigues, que todos os dias cá estiveram quando o país se deita. Gente de coragem, são a linha da frente.

O país contou com gente de uma dedicação extraordinária. Cientistas, como a Inês Milagre, a quem tantas vezes falta um vínculo mas a quem nunca faltou entrega, num tempo em que precisamos mesmo do conhecimento científico para vencer a pandemia. Mas também professoras, como a Cecília Costa, e toda a comunidade escolar, que de um dia para o outro foram obrigados a reinventar a escola para que nenhuma criança fique para trás. 

Elementos das forças de segurança ou vigilantes, como a Sofia Figueiredo, assim como bombeiros, como o João Almeida, essenciais ao funcionamento do Estado e dos serviços públicos. Carteiros, como o Roberto Tavares, que asseguraram um serviço essencial e nunca deixaram de trabalhar para garantir entregas durante o confinamento. E também trabalhadores da indústria, como o Luís Silva, que garantiram a produção de bens necessários. Gente que nunca baixou os braços, linha da frente.

O país contou com gente que nunca desistiu quando tudo parecia desabar. Trabalhadores que tiveram perda de rendimentos e microempresários, como o Afrozur Rahman, e tantos para quem o apoio tardou a chegar e, quando chegou, ficou pela metade. Trabalhadores da cultura e das artes, como a Catarina Côdea, e tantos outros a quem o apoio nunca chegou e que solidariamente se organizaram em redes de apoio alimentar. Estudantes, como a Andreia Galvão, e jovens precários, uma geração inteira que enfrenta a segunda crise das suas vidas e a quem disseram que têm de viver entre o desemprego e a precariedade. Gente de cabeça erguida, são também a linha da frente.

E o país contou ainda com gente de uma solidariedade imensa. Cuidadores informais, como a Rosália Ferreira, para quem a pandemia juntou isolamento ao isolamento e que, tendo o estatuto porque lutaram, tardam em ver o reconhecimento pleno que lhes é devido. Ou voluntários, como a Beatriz Farelo, que estiveram com as pessoas em situação de sem-abrigo e deram o melhor de si para reforçar uma resposta pública que não deixe ninguém para trás.

E o país contou, claro, com os profissionais do Serviço Nacional de Saúde, pilar da democracia. Médicos como o Afonso Moreira, técnicas de diagnóstico e terapêutica como a Marta Mesquita, enfermeiros como o Mário Macedo. Todos aqueles que justamente ouviram os aplausos de um povo inteiro que reconhece a dedicação que salva vidas, mas a quem o Estado tarda em garantir justiça e condições. Profissionais de saúde, cuidadores, são linha da frente.

No tempo do medo, há pessoas que cuidam de todos. Como vocês, como tantos outros. Na história desta gente não se esgota a história da pandemia. Mas estas pessoas são do melhor que o nosso país tem. Obrigada por estarem aqui hoje.

É a segunda vez que me candidato a Presidente da República e farei toda a campanha assim, a ouvir, a dar voz à gente sem medo, a apoiar a coragem de quem cuida dos outros. Portugal precisa de saber quem são e de ouvir quem faz a vitória sobre o medo.

Eu sou candidata para fazer essa campanha contra o medo. Já sabem quem eu sou, mas quero dizer-vos porque farei uma campanha presidencial pela segunda vez na minha vida.

Sou socialista, laica e republicana e vou à luta pelas minhas ideias, ao lado de quem não desiste de Portugal.

Portugal precisa de uma política socialista, porque é o pleno emprego, o fim da precariedade e o respeito pelo salário e pela pensão, é essa política que nos deve guiar nos meses mais difíceis do nosso século, o tempo de uma crise que ainda se vai agravar e que, no dia das eleições, ainda estará a fazer vítimas.

Portugal precisa da laicidade do Estado e do ensino, da escola que trata toda a gente com o mesmo respeito e que defende as crianças e o seu direito a aprender e crescer nas melhores condições.

E Portugal precisa da República, da liberdade e da igualdade que nos torna a todos e a todas responsáveis pela nossa gente. A República é a terra de mulheres e homens, de crianças e adultos, de brancos e negros, de imigrantes e emigrados, sem discriminações, sem intolerância, sem perseguições. A liberdade e a igualdade são as minhas bandeiras.

O meu lugar é a afirmar o respeito e a solidariedade com quem está aflito com a crise. Venho a esta campanha, como vos disse, para mostrar que não pode haver medo. O medo é o que nos destrói, é o que torna um país pequeno e submisso, é o que provoca divisões, racismo, ódio, perseguições. O medo divide, a República une. E é por isso que sou republicana, luto ao lado de quem se revolta contra a injustiça, de quem, como vocês, não se permite desistir do país, de quem  luta pelos valores de uma esquerda que não se verga às ordens do mercado, de Berlim ou de Washington, de Pequim ou de Bruxelas.

E, por isso, sou candidata frente a frente com Marcelo Rebelo de Sousa. É o presidente em funções e sei bem das diferenças com o passado. 

E sei de caminhos onde nos encontramos, como na exigência pelos direitos das pessoas em situação de sem-abrigo ou na luta pela visibilidade e reconhecimento dos cuidadores informais. Mas discordamos em questões essenciais e peço o voto sobre essa diferença: Marcelo quer um regime político assente em mais do mesmo, eu quero um regime que responda à pandemia social e que acabe com os privilégios; ele aceitou um regime financeiro que se foi esvaindo em privatizações e negócios, eu quero uma banca pública de confiança; ele quer um sistema de saúde concedido em parte a hospitais privados, eu quero um Serviço Nacional de Saúde de qualidade para todos porque sei que, quando o comércio entra na Saúde, são os que menos têm que ficam a perder. 

Eu não aceito a desigualdade e enfrento-a. Não terei o voto dos mandatários das fortunas, mas estarei com os jovens trabalhadores que não aceitam empobrecer nesta segunda grande crise das suas vidas.

Aqui está porque sou candidata. Não sou candidata por jogos partidários, por ajuste de contas, por necessidade de palco. Gosto do que faço: cumpro o mandato para que fui eleita, vivo feliz a dar o meu contributo e, se venho a esta campanha, é pelo entusiasmo e confiança na vossa palavra, na vossa experiência, na vossa vida, na força que podemos dar a Portugal.

Sem medo: um abraço.

Obrigada!