O direito à mobilidade e aos transportes. [Newsletter: Lado Esquerdo]

O direito à mobilidade no concelho de Leiria só existe para quem tem carro; quem não tem que vá a pé! Poderia dizer-se de um concelho para onde se fizeram vários diagnósticos sobre o péssimo perfil carbónico da pegada ecológica da mobilidade e onde, segundo o Plano Estratégico para a Mobilidade e Transportes (PEMT 2016) “76% das deslocações pendulares diárias foram feitas de carro, 7,5% em transporte coletivo rodoviário, 11% a pé, 1% em bicicleta e outros (também motorizados) 4,5%”.

Esta prevalência tem origem em dois tipos de características da mobilidade no concelho: uma taxa de motorização (total de veículos ligeiros de passageiros/1.000 habitantes) bastante superior à da média do Continente e uma quase inexistência de um serviço de transportes públicos coletivos rodoviários de passageiros (TPCR). No primeiro tipo, os dados falam por si: em 2021, a taxa de motorização em Leiria foi superior em 16% à taxa média homóloga para o total do Continente – 803 contra 692 veículos por cada 1.000 habitantes residentes. No segundo tipo – uso de transportes coletivos versus transporte automóvel privado nas deslocações diárias – os dados do PEMT indicam, grosso modo, que 8 em cada 10 leirienses usa o automóvel, 1 transporte público e 1 desloca-se a pé. A situação agrava-se porque os veículos da Rodoviária do Tejo/RT/Mobilis são todos movidos por motores de combustão a diesel e, por isso, altamente poluentes, pelo que a pegada carbónica dos seus poucos utilizadores concorre com a pegada ecológica dos restantes que usam o carro.

Neste contexto desgraçado para os TPCR é sintomático que a Câmara renove o subsídio anual ao sistema de TPCR, representado sem quaisquer alterações face ao ano anterior e defenda a sua ratificação em todas as Assembleias Municipais de fim de ano.

Tudo o que se passou nos dois últimos anos nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, onde se aplicou o novo regime jurídico da prestação do Serviço Público do Transporte Público de Passageiros, tendo daí resultado uma redução para mais de metade do preço dos passes sociais mensais, comuns a todos os meios de transporte em operação em cada uma das AMs, surgindo mesmo em alguns concelhos passes gratuitos (Cascais para todos os residentes e Lisboa apenas para sub23 e +65 anos), cá no burgo nada muda, a concessão dos TPCR à RT continua como dantes, cada município continua a fazer tudo sozinho como se a “sua mobilidade” não tivesse nada a ver com a do vizinho, e no fim, conforme notícia do RL, “a Câmara de Leiria aprovou a prorrogação do contrato com a RT por um ano (…) face ao iminente risco de rutura do serviço rodoviário de passageiros”. É caso para dizer que tal desculpa já cheira a bafio de tão velha de ser usada!

Nos transportes, como no ambiente ou no urbanismo casuístico que se vai fazendo, a Câmara continua a navegar à boleia da sua maioria absoluta e a empurrar com a barriga os problemas para o futuro.

 

Texto: Heitor de Sousa

Imagem: Gil Campos