Salvar as matas litorais: compromissos de curto e longo prazo

A reconstrução das Matas Litorais deve partir dos respetivos Planos de Reflorestação que identifiquem claramente os serviços a prestar, do ponto de vista ambiental, económico e social, garantindo metas concretas para um período de tempo que atravessa várias legislaturas e que seja garante de um compromisso político e governativo de longo prazo.

A Mata Nacional de Leiria / “Pinhal do Rei” é a maior mata nacional, de propriedade e gestão públicas, com uma área de 11.021 hectares e uma história que remonta a mais de 700 anos. Foi vítima de um incêndio, em Outubro de 2017, que se estima ter destruído 86% da área. Na sua continuidade foram também atingidas as matas nacionais do Pedrógão (90%), do Urso (54%), das Dunas de Quiaios (63%) e os Perímetros Florestais de Dunas de Cantanhede (81%) e Dunas e Pinhais de Mira (53%). No total, estima-se ter ardido 67% da área de floresta pública localizada nesta faixa litoral, o que corresponde a 24.344 hectares.

Passados dois anos, como seria de esperar, muito trabalho está por fazer, pois a reconstrução das matas litorais demorará mais de um século para alcançar uma estrutura semelhante ao pré-fogo. Contudo, existem trabalhos em atraso e sinais preocupantes, alguns de âmbito operacional, outros de planeamento:

  1. Ainda há madeira ardida por cortar nas Matas e Perímetros Florestais afetados em áreas consideráveis;
  2. São conhecidos diversos relatos sobre o crescimento e propagação de plantas invasoras nas áreas ardidas e não ardidas e de expansão de problemas fitossanitários que estão a afetar as áreas não ardidas;
  3. São desconhecidos Planos de Reflorestação das Matas e Perímetros Florestais que espelhem os serviços que estas devem prestar, com a definição das espécies a integrar, da sua dispersão, extensão e localização geográfica. Em simultâneo, surgem notícias de investimentos realizados em reflorestação, com incorporação de diversas espécies florestais;
  4. São desconhecidos os novos Planos de Gestão Florestal (PGF) das Matas Nacionais e Perímetros Florestais. A título de exemplo, no caso da Mata Nacional de Leiria, o último PGF data de 2010;
  5. O Relatório da Comissão Científica de Recuperação das Matas Litorais, produzido por 8 instituições de ensino superior e/ou investigação científica, faz um diagnóstico da situação atual das matas e apresenta propostas concretas para o futuro, algumas delas contraditórias, como assinala o Parecer do Observatório do Pinhal do Rei. Não está claro se o ICNF aceita as propostas constantes do Relatório da Comissão Científica, como são exemplo as seguintes:
    1. O capítulo 3 sobre “Monitorização de Erosão Eólica e Hídrica” propõe a monitorização e avaliação da erosão hídrica e eólica do solo em áreas dunares costeiras, mas até hoje desconhece-se a implementação destas medidas nas Matas Litorais (ML).
    2. O capítulo 4, sobre monitorização e controlo de invasões biológicas, apresenta uma proposta de definição de prioridades de intervenção e elenca diversas medidas de controlo, mas é até hoje desconhecido se o ICNF aceita esta priorização assim como não se sabe quais as medidas a tomar e a sua calendarização. Também o capítulo 9, “normas e modelos de silvicultura”, aborda a necessidade de controlar as espécies invasoras em particular o eucalipto, sendo de grande preocupação a invasão que estas espécies exóticas já atingiram em muitos locais das matas nacionais.
    3. O capítulo 6, “recuperação de habitats terrestres” propõe: a intercalação de “talhões ou áreas escassamente arborizadas e possuidoras de charcos permanentes (mesmo que artificiais)”; e “talhões ou faixas, quando edafoclimaticamente faça sentido, de 50-100m de largura com sobreiro e/ou outras folhosas entre os talhões de pinheiro bravo”. Ainda neste capítulo, propõe-se a implementação de uma rede de monitorização de habitats terrestres das ML, a partir de um plano de ação específico; sugere-se o estabelecimento de modelos de gestão silvícola que venham a otimizar os serviços de ecossistema múltiplos, desde a produção, à conservação da biodiversidade, ao incremento do valor cultural, do turismo e do recreio, através da instalação de povoamentos mistos contendo espécies florestais diversas, com vista à heterogeneidade de paisagem propiciadora da recuperação e restauro de diversos tipos de habitat que não apenas pinhal. Até hoje não se sabe se estas propostas foram aceites, nem a sua dimensão e localização.
    4. O capítulo 11, sobre participação pública e sensibilização, alerta para a importância da capacitação e envolvimento da população e dos agentes locais, que habitualmente são desprezados pelo ICNF. Segundo os autores, entre os 10 PGF atualmente em vigor, 7 não obtiveram qualquer contributo em consulta pública e 3 tiveram apenas 1 contributo. Neste capítulo propõe-se que o PGF comece por descrever o processo de participação pública, mas não havendo ainda novo PGF, não se conhece nenhum processo participativo em curso o que indicia um grande atraso na produção do PGF ou, mais uma vez, a negligência sobre a participação pública. Os autores propõem que a condução do processo participativo seja realizada por “uma equipa de facilitação independente (sem ligação ao ICNF)”. Até hoje não se sabe se o ICNF aceitou estas propostas.

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda considera que a reconstrução das Matas Litorais ardidas deve partir dos respetivos Planos de Reflorestação que identifiquem claramente os serviços que as mesmas devem prestar, do ponto de vista ambiental, económico e social, garantindo metas concretas para um período de tempo que atravessa várias legislaturas e que seja garante de um compromisso político e governativo de longo prazo.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

  1. Garanta, no prazo de seis meses, a construção de Planos de Requalificação e Reflorestação das matas e perímetros florestais litorais ardidos em 2017, contemplando: identificação de serviços ambientais, sociais e económicos que se pretendem garantir; mapeamento de serviços e espécies florestais pretendidas, habitats naturais e semi-naturais classificados pela Diretiva Habitats; metas concretas de requalificação, controlo de invasoras, florestação e produção, calendarizadas, e uma estimativa dos respetivos meios necessários à sua concretização até à requalificação e reflorestação total;
  2. Produza, no prazo de seis meses, os primeiros Planos de Gestão Florestal das matas e perímetros florestais litorais após os fogos de 2017, tendo em consideração os objetivos estabelecidos no Plano de Requalificação e Reflorestação;
  3. Promova processos de capacitação e participação pública, dinâmicos e integradores, na produção dos planos previstos no n.º1 e n.º2;
  4. Tenha em consideração as recomendações do Relatório da Comissão Científica de Recuperação das Matas Litorais para concretização dos tópicos anteriores, devendo, no caso das recomendações não aceites, ser tornadas públicas as justificações através de relatório, no prazo de 6 meses;
  5. Capacite o ICNF com os meios operacionais, humanos e financeiros necessários à concretização e cumprimento dos planos de reflorestação e gestão suprarreferidos, no curto e longo prazo.

 

Assembleia da República, 6 de novembro de 2019.