Valorizar o trabalho e produção dos agricultores é essencial para a soberania alimentar
A atual pandemia tem evidenciado muitas limitações no sistema de produção e distribuição de alimentos do país. Se já anteriormente era necessário impulsionar políticas públicas que garantissem maior equilíbrio ao longo da cadeia de abastecimento e a formulação de preços justos aos produtores e consumidores, o atual panorama torna essas políticas ainda mais urgentes. Os agricultores e pescadores – que abastecem a sociedade de bens alimentares essenciais – não podem ficar reféns da vontade das grandes cadeias de distribuição que compram a preços demasiado baixos e vendem a preços excessivos, sob pena da atividade de muitos produtores se tornar inviável. Valorizar a produção e o trabalho dos profissionais da agricultura e da pesca é uma condição necessária para nos aproximarmos da soberania alimentar que o país precisa.
Durante décadas, governos e autarquias incentivaram a abertura de grandes superfícies comerciais que têm vindo a dominar as redes de distribuição, contribuindo deste modo para a destruição das economias locais. É assim importante inverter esta situação.
Recentemente foi votada uma proposta do Bloco de Esquerda para garantir preços justos ao consumidor e ao produtor. Propunhamos que fossem tomadas medidas para impedir o abuso da grande distribuição sobre os produtores, garantindo preços mínimos acima dos custos de produção, mas também a definição de margens máximas de intermediação. Todos os agricultores e pescadores que nos ouvem, sabem do que estamos a falar. Sabem que esta é a única forma de acabar com este abuso, mas o PS e a direita, não tiveram coragem de votar a favor destas propostas e não apresentaram qualquer proposta alternativa. Não estão disponíveis para resolver este problema e enfrentar o poder da grande distribuição
Ainda ontem foi notícia, a título de exemplo, a Jerónimo Martins:
Cito notícia de ontem: “esquema de fraude organizada, de dimensão transnacional, baseado na criação de empresas "fantasma" e na criação de circuitos de faturação fictícios, que visavam a evasão ao IVA e a obtenção indevida de reembolsos”.
Continuo citação:
“Além de defraudar o Estado Português, os referidos bens foram colocados no mercado abaixo do preço de custo, gerando uma concorrência desleal entre operadores e uma adulteração grave do mercado nacional nesses setores.”
Portanto, deixo a pergunta: está o PCP, que trouxe aqui hoje este debate, disponível para propor e apoiar medidas no sentido de intervir sobre o mercado de bens alimentares, garantindo maior soberania para o país? E o restante parlamento? É que para o Governo, nem a transposição de uma Diretiva Comunitária com medidas mínimas parece merecer qualquer urgência.
Aproxima-se a entrada de um novo quadro comunitário da Política Agrícola Comum, ou Governo se esqueceu de tratar do assunto, o que não seria inédito, lembrarmo-nos da taxa sobre a celulose, ou então anda a negociar a estratégia para a transposição do próximo quadro comunitário em gabinetes fechados e longe do escrutínio público.
Para o Bloco de Esquerda não restam dúvidas, este é um momento fundamental para reformular a política agrícola de forma a responder ao desafio das alterações climáticas, mas também à soberania alimentar. Por isso propomos a formulação de um Programa de Transição Ecológica para a toda a agricultura, para todo o país. Os fundos públicos devem ser aplicados para responder ao interesse público e para tal, é necessário abandonar os sistemas de monocultura e apostar numa agricultura diversificada e de proximidade. PCP, PS e direita chumbaram recentemente esta proposta.
Precisamos de realizar escolhas concretas: as águas do alqueva e restantes investimentos públicos em regadio, devem estar condicionados a agriculturas diversificadas em vez de sistemas de monocultura.
As medidas de apoio não podem tratar o território de forma desigual nem abandonar os produtores de menor dimensão como tem acontecido. A transição ecológica, a resposta às alterações climáticas e a soberania alimentar devem ser garantidas de forma inclusiva e democrática, essa escolha faz-se agora.
Está o PCP disponível para apoiar este caminho? E os restantes grupos parlamentares?
Durante décadas os consecutivos Governos, com o comando alternado entre PS e PSD, degradaram a soberania alimentar do país. Destruíram-se os serviços de extensão rural, delapidou-se a capacidade dos centros de investigação nacional e destruíram-se os serviços de extensão rural. Pelo caminho, esvaziaram-se os territórios rurais. Hoje há um enorme trabalho de mitigação e adaptação às alterações climáticas que está por fazer e faltam serviços públicos para apoiar esta transformação.
A ideologia de mercado falhou e a realidade comprova-o:
O nível de consumo de inseticidas e herbicidas manteve-se entre 2006 e 2016, com ligeiras oscilações
Segundo os dados do INE, o balanço bruto do N por hectare em 2017 (43kg) é equivalente ao de 1995 (42kg).
Assim, é preciso reconstruir serviços públicos de aconselhamento técnico e científico às explorações agrícolas. Está este parlamento disponível para o garantir?