O drama da seca não se resolve com regadio

A agricultura portuguesa é essencialmente uma agricultura de sequeiro, em área e em valor de produção. Por mais obras hidráulicas que ocorram esta realidade não se pode alterar significativamente. Não há barragem nem poço que sacie a crise climática.

O processo de alterações climáticas está a decorrer a uma velocidade cada vez maior, com consequências cada vez mais dramáticas para o país e para o mundo que conhecemos hoje. O aumento da frequência e severidade das secas é apenas uma das consequências da atividade humana sobre o sistema climático. Outros eventos extremos são cada vez mais frequentes, como é o caso das ondas de calor que amplificam os incêndios florestais e dos ventos fortes e grandes precipitações que geram alagamentos e destruição de espaços rurais e urbanos.

Só uma mudança estrutural na política pública pode responder ao drama das alterações climáticas e seus impactos, garantindo uma grande redução das emissões de gases com efeito estufa e o abandono do atual modelo de desenvolvimento extrativista que não olha a meios para obtenção de lucro. Se tal não acontecer, não há barragem, não há poço nem furo que assegure o necessário abastecimento de água. É por isso que a proposta do Bloco de Esquerda é a criação de uma Lei de Bases do Clima para o país, respondendo de forma eficiente aos compromissos e à solidariedade internacionais.

Segundo o INE, durante todo o ano 2017 choveu apenas dois terços do que se considera normal. E o Portal do Clima indica previsões de redução de 80% da precipitação média de verão até ao final do século.

Não é apenas necessário promover o uso eficiente da água na agricultura de regadio, que representa atualmente cerca de 80% do consumo nacional de água. É preciso mudar de paradigma e promover sistemas de produção agrícola de baixos consumos e de sequeiro, baseados na diversificação da produção, com rotações e consociações culturais. Desta forma, reduzem-se também os consumos de energia, de pesticidas e de adubos, com aumento da produção global. Os sistemas de monocultura não são solução e o regadio não basta e não deve ser a principal resposta.

Em 2016, o regadio representava apenas 11% da superfície agrícola nacional e cerca de um terço do valor de produção agrícola. Assim, a agricultura portuguesa é essencialmente uma agricultura de sequeiro, em área e em valor de produção. Por mais obras hidráulicas que ocorram esta realidade não se pode alterar significativamente. Ou a política pública promove a melhoria dos sistemas de sequeiro e a fixação da população em territórios rurais ou o investimento cego em regadio acabará por gerar um ainda maior abandono do território, com menos emprego e mais incêndios.

Para este governo a resposta à seca faz-se essencialmente através do Programa Nacional de Regadios. São 560 milhões de euros, mais de 50 mil novos hectares de regadio para o Alentejo, direitinhos para as monoculturas de olival e amendoal superintensivos.

Programa Nacional de Regadios

Programa Nacional de Regadios

Os promotores deste programa nunca responderam às perguntas que sobram: o que vai acontecer às áreas agrícolas e florestais de sequeiro e às populações que dele dependem? Que impacto terá na sua produção e sustentabilidade económica? E no meio ambiente? Qual o papel das florestas na regulação do ciclo da água? Que medidas concretas de política florestal devem ser implementadas para combater a seca?

Se a resposta estrutural à seca continuar a ser o regadio e a construção de mais barragens, se o regadio continuar a significar a intensificação da monocultura agrícola e florestal, este será o programa da desertificação, da destruição de solos, da destruição da biodiversidade e dos recursos hídricos.

Texto base de intervenção na Assembleia da República, no dia 24 de setembro de 2020