Antirracismo: pôr a luta na agenda política
A célebre ativista Angela Davis disse outrora que “numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, deixando claro que a forma como batalhamos pelos direitos dos e das mais oprimidas é uma reflexão moral sobre os valores vigentes da sociedade na qual nos inserimos.
A história da relação de Portugal com os afrodescendentes tem sido marcada pela exploração, pelo extermínio, pela negação. No entanto, a narrativa que predomina é a de como Portugal coexistiu com os colonos, pacificamente, protegendo-os da sua natureza inerentemente primitiva. Esta necessidade de justificar a permanência das colónias no Estado Novo permitiu que o regime agilizasse este discurso, embrenhando a forma como relatamos a nossa História com esta visão unilateral e, essencialmente, falsa dos eventos. Ensinamos nas nossas escolas o colonialismo como um grande feito nacional, lemos “Os Lusíadas” entusiasticamente cantando as façanhas do bravo peito lusitano. Lecionamos a juventude acriticamente, limpando a violência da nossa memória coletiva.
O passado transcende para o presente, moldando a forma como olhamos para os e as negras, prendendo-os a um sistema institucional racista. Ser negra é, atualmente, estar mais vulnerável aos problemas de habitação, mais exposta à perseguição do sistema judicial, menos protegida da brutalidade policial. É ser segregada dos setores mais elevados da sociedade, ter menos acesso a serviços básicos, ser mais ignorada pela comunicação social e ser rejeitada pelos padrões de beleza vigentes. Ser negra é, de facto, estar mais suscetível às garras do capitalismo.
Pior do que isso, ser negra é ser educada para desconhecer a própria história. África é somente apresentada como um apêndice da Europa colonizadora, não é representada a sua riqueza cultural, a beleza da sua filosofia, das suas gentes. Ser negra é ser ensinada a odiar o nosso corpo, o nosso cabelo e a viver numa espécie de loucura interna. É ver a nossa cultura roubada e os nossos direitos negados. É ser negada de todas ferramentas que nos permitam desconstruir as nossas opressões, é não conseguir sequer identificar as opressões.
Ser negra é crescer sem professores que se pareçam connosco. É falar-se de quotas e ouvir críticas às mesmas, considerando-as um ataque à meritocracia. Ser negra é saber que a meritocracia não existe. Que certas pessoas, por mais que se esforcem não conseguirão ascender num sistema que está enraizado em oprimi-las.
Como partido, o Bloco deve assumir o papel de criar um espaço institucional para que os e as ativistas possam levar a luta antirracista para o centro do debate público, evidenciando as suas interseções com questões de género e de sexualidade. É crucial criar-se uma conversa sobre como erradicar, desconstruir e avançar a partir dos elementos do colonialismo, fomentando, em simultâneo, políticas de emancipação negra. É urgente reconhecer-se a pertinência deste sujeito político, a sua identidade e a história que este acarreta. É um dever extinguir as flagrantes desigualdades numa sociedade que, paradoxalmente, propõe a igualdade como valor primordial.
Andreia Galvão