“O SNS é um pilar da democracia e do desenvolvimento”
Antes de entrar no tema do debate que este domingo encerrou o acampamento dos jovens do Bloco, este ano em formato digital, Catarina Martins deixou duas notas sobre a atualidade. A primeira foi sobre o assassinato do ator Bruno Candé Marques. A coordenadora do Bloco classificou-o como um “crime horrível” e um “assassinato racista que nos magoa”. Lembrou-nos que dizemos que o racismo não é opinião é crime e “quando se tira a humanidade aos outros a violência acontece”.
A segunda nota foi para os incêndios. A dirigente bloquista sublinhou que “o nosso país está a arder outra vez”, uma prova trágica de que “os problemas estruturais do país não desapareceram”. Lamentando a morte dos três bombeiros que recentemente perderam a vida, reforçou que “temos de “fazer mais” para prevenir” e “ter um país seguro”, o que passa por ter um território organizado, uma proteção civil eficaz e um SNS que nos protege.
Catarina Martins entrou então no tema proposto para este debate, “A crise do COVID e o Serviço Nacional de Saúde”. E fê-lo respondendo a questões que foram sendo colocadas nas redes sociais dos jovens do Bloco. Várias delas sublinharam uma questão que avaliou como “muito importante”: a saúde mental.
A dirigente bloquista quis contrariar o discurso moralista contra as gerações mais jovens que seriam irresponsáveis face à pandemia, antes de realçar a sensibilidade dos jovens relativamente a esta questão. O confinamento afetou os jovens, fechando escolas, deixando-os fechados em casa, longe das suas redes de socialização, o que teve “um impacto tremendo no seu desenvolvimento”, mas os jovens foram afetados também porque foram os primeiros a perder o trabalho, nomeadamente os que estavam no período experimental dos contratos.
Para Catarina Martins, Programa Nacional de Saúde Mental, que seria um instrumento importante e que custaria “relativamente pouco” face ao bolo total das despesas do SNS “nunca é aplicado” e era preciso que o fosse para haver psicólogos nos centros de saúde, equipas comunitárias no terreno e reforço da presença de profissionais de saúde mental nas escolas.
A porta-voz do Bloco respondeu ainda a outras questões sobre as Parcerias Público-Privadas, os problemas de carreira e de desinvestimento, que os outros participantes no debate também trataram. E analisou alguns dos problemas que fazem com que a universalidade do SNS, “um dos melhores sistemas do mundo”, porque garante o acolhimento “de todas as pessoas” e pela formação “muito boa” dos seus profissionais, não esteja garantida, como o facto de não termos “os mesmos cuidados de saúde garantidos em todo o território”, de faltarem médicos de família “em muitos locais”, de continuarem a haver taxas moderadoras, medicamentos e transportes caros.
Saúde pública, apetites privados
Para além destes problemas, Catarina Martins abordou outros dois que resultam da pressão feita pelos privados para aumentar o seu negócio. Apesar da resposta do SNS ter reforçado a ideia de que quando os privados “fecharam as portas” ou reduziram serviços foi o público que deu resposta, “não podemos estar descansados” porque há uma “enorme pressão” para os atrasos resultantes do período de confinamento “serem resolvidos com mais contratualizações com privados” e não com mais contratações”. Por exemplo dos 8426 profissionais que deveriam ser contratados em dois anos, o que foi aprovado no orçamento por pressão do Bloco, “zero foram contratados até agora”. E “se apostarmos em contratar mais aos privados daqui a dois anos teremos o SNS mais frágil” perante uma crise que se avizinhe.
Os privados pressionam igualmente para abrir cursos de medicina na universidades privadas. Isto será “lucrativo” porque desta forma os privados vão “gerar os seus recursos humanos a preços de saldo”.
Esta pressão surge ao mesmo tempo que centenas de jovens médicos não têm acesso à especialização. Tornam-se “médicos indiferenciados”, “contratados para tapar buracos”, trabalhando outsourcing. Seria preciso, pois, abrir os concursos para médicos especialistas e aumentar a capacidade formativa das universidades públicas, o que significaria ter a “coragem de manter formação feita no público e por todo o país”.
A última questão levantada por Catarina Martins foi sistémica. O SNS, um “pilar da democracia e do desenvolvimento”, quando foi criado foi pensado para um país que “era mais jovem”. E conseguiu-o mudar. Hoje, “ter filhos é seguro”, “ser criança é seguro”. Só que agora enfrentamos a realidade de “um país não tão jovem”, envelhecido.
Internalizar serviços, colocar profissionais em dedicação exclusiva
Bruno Maia dedicou a sua intervenção à relação entre o público e o privado na saúde. Partindo do princípio de que “quanto mais resiliente e forte é o sistema de base” e que “quanto melhor fizermos nos intervalos entre pandemias, melhor fazemos nas pandemias” e em outras “situações excecionais”, o médico fez questão de olhar para trás para ver “como estava o SNS no momento em que surge a pandemia”.
Através de vários gráficos, mostrou a comparação clara entre o Serviço Nacional de Saúde em queda e do negócio privado em ascensão, provando que o crescimento de um “faz-se à custa” do outro, ilustrou a sub-orçamentação crónica do SNS, ao longo dos últimos dez anos foi-lhe sempre atribuído menos dinheiro do que aquele que tinha sido gasto no ano anterior, comparou o crescimento do PIB no período pós-troika com um muito menor crescimento na despesa do SNS e identificou a queda de poder de compra dos trabalhadores do sistema de saúde pública.
Bruno Maia apresentou ainda outros números significativos da relação entre público e privado: 53% do orçamento para o SNS este ano saiu para os privados, nomeadamente para “fornecedores externos”, e 51% da faturação dos privados na saúde provém de dinheiro público ou da ADSE. “São rendas”, conclui, ao mesmo tempo que “obrigamos as famílias a gastar mais na saúde privada”.
Ao contrário do caminho de desorçamentação, Bruno Maia propôs a internalização de serviços e a colocação de profissionais em dedicação exclusiva.
Governo tem de colocar hesitações de lado
O deputado Moisés Ferreira também partiu de duas comparações. A primeira foi a da forma como o SNS respondeu relativamente a outros países. Por exemplo nos EUA, “o maná do movimento liberal” com os seus seguros de saúde, houve “um enorme falhanço e risco para os utentes”. Para além da “política irresponsável” do presidente deste país, também o facto de não ter SNS, contribuiu para o número recorde de infetados e de mortes”.
Mas também em países com sistemas de saúde tradicionalmente fortes como o Reino Unido “colapsaram” porque têm vindo a ser “gradualmente enfraquecidos”. Por sua vez, o SNS português “aguentou a pressão e mostrou estar à altura do momento”.
Aqui entra a comparação com um setor privado com um “comportamento errático, irresponsável e negocista”, que “passou semanas a negociar preços para a ajuda”, isto enquanto já havia pandemia, para depois, “como os preços não eram muito apetecíveis”, ora ter encerrado instalações ora ter admitido “que iam cobrar ao SNS o que entendessem pelos doentes de covid”.
O deputado considera que o SNS “ficou sozinho a responder à pandemia” e respondeu bem devido ao seu “caráter público”, à “dedicação e formação dos profissionais”, à “organização do setor” (e à importância dos cuidados de saúde primários) e ao “dispositivo de saúde público exigente, eficaz e competente”.
Contudo, também destacou “limitações de respostas do governo”. Ou seja, muitos dos problemas “foram originados no governo” e não no SNS. Moisés Ferreira lembrou que “dez dias depois dos primeiros casos (a 13 de março), o Bloco disse que seria preciso tomar quatro medidas: a mobilização de todos os profissionais para preparar a resposta, dar autonomia às instituições para contratações, haver um planeamento nacional e a reconversão da indústria e requisitar o sistema privado. O governo “demorou muito” em várias medidas e “nunca quis colocar propriedade privada em causa”.
Pelo caminho várias propostas em que o Bloco insistiu na defesa dos profissionais de saúde foram sendo chumbadas pelo governo: como por exemplo o subsídio de risco, ou a ideia de considerar os que fossem infetados “automaticamente” como tendo “doença profissional”, a valorização de carreiras e remunerações.
O deputado responsável pela área da saúde no Bloco defende que “o governo tem de colocar as hesitações de lado” porque “agora o desafio é ainda maior”. Isto porque o SNS vai ter de responder “durante ainda muito tempo” à covid-19, ao mesmo tempo que tem de recuperar atividade suspensa, retomar atividade normal e reforçar resposta “em áreas débeis mas que são necessidades emergentes”.