Pedrógão Grande: “Precisamos de mudanças estruturais na gestão da floresta”

No debate parlamentar que assinalou os três anos desde o mortífero incêndio florestal de Pedrógão Grande, o deputado Ricardo Vicente afirmou que "sem mudanças estruturais ao nível da constituição da floresta e da sua gestão e ao nível do sistema de prevenção e combate a incêndios, é elevado o risco de repetição dos mega-incêndios de 2017". Demonstrou ainda o mau exemplo do Governo, na gestão do Pinhal de Leiria.

"Em 2017 quase todos afirmaram que as consequências que resultaram dos incêndios de junho e outubro desse ano não poderiam voltar a repetir-se. Apesar das melhorias nalguns componentes do sistema não estamos seguros de que o país esteja suficientemente preparado para enfrentar eventos da mesma magnitude, sobretudo porque as variáveis determinantes permanecem sem alterações estruturais, a saber: ordenamento, gestão florestal, recuperação de áreas ardidas e mitigação do risco desadequados; insuficiente formação e qualificação dos agentes; indefinição no modelo de organização territorial a adotar pelos serviços do Estado com particulares responsabilidades no sistema de prevenção e combate a incêndios; a precariedade laboral de diversos agentes; falta de recrutamento para lugares de comando operacional; e a manutenção de alguns comportamentos de risco pela população em condições favoráveis à ocorrência de incêndios.” Estas são conclusões da última nota técnica a respeito dos três anos que passaram após os fogos de Pedrógão Grande, publicada recentemente pelo Observatório Técnico Independente, órgão desta Assembleia da República. Que foi criado para “análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional” e constituído por investigadores com diversas valências científicas.

O alerta que nos dão é bem claro, sem mudanças estruturais ao nível da constituição da floresta e da sua gestão e ao nível do sistema de prevenção e combate a incêndios, é elevado o risco de repetição dos mega-incêndios de 2017 que tiraram a vida a mais de cem pessoas e destroçaram parte do território que ainda hoje está por recuperar. As chamas consumiram mais de meio milhão de hectares em apenas um ano.

A maioria das áreas florestais ardidas não teve qualquer tipo de intervenção e a espécie dominante, o eucalipto, já atingiu em muitos locais 3 e 4 metros de altura, depois de rebentarem desordenadamente. A paisagem voltou a ser ocupada com uma monocultura, agora mais densa devido à insuficiência ou ausência dos trabalhos de gestão florestal, prevendo-se assim o aumento dos riscos de incêndio futuros. Também as plantas invasoras estão a ganhar terreno e fora de controlo em muitas áreas de florestas públicas e privadas. São exemplo as matas litorais dos distritos de Leiria e Coimbra, para as quais não há medidas robustas calendarizadas para a sua reconstrução e o abandono é falsamente justificado com a regeneração natural. Um Governo que dá mau exemplo na gestão da floresta pública, não tem credibilidade para exigir diferente dos proprietários privados. Na política florestal, este é o governo do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” e esta não é a atitude de quem quer verdadeiramente evitar os erros do passado.

Enquanto a política pública de prevenção e combate a incêndios anda à deriva, os interesses económicos e financeiros em torno da floresta de monocultura enraízam-se. O Orçamento do Estado prevê a implementação de uma taxa sobre a indústria da celulose e outras atividades de extração intensiva que devia financiar a diversificação da floresta, mas o Governo aparenta ter-se “esquecido” novamente, pois nada se sabe da sua aplicação. O Governo anuncia 100 milhões de euros para financiamento de serviços de ecossistema que estão orçamentados, mas as populações que viram o seu território arder não têm como aceder a esse fundo para criar uma floresta diferente nos seus terrenos. O Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais leva dois anos de atraso, ignorou todo o aconselhamento técnico científico recente na sua estratégia e ainda não tem o respetivo de plano de ação. Se analisarmos o plano de gestão integrada de fogos rurais, os Planos de Transformação da Paisagem, a Estratégia Nacional para as Florestas e os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, a conclusão que retiramos é que o Governo anda à deriva em matéria de política florestal, com tantos sinais contraditórios não se percebe para onde vamos.

É assim urgente harmonizar as ferramentas de ordenamento do território e de prevenção e combate a incêndios, no sentido de garantir maior resiliência do território às alterações climáticas, de forma transparente e com objetivos claros, tal como sugerem as mais recentes recomendações técnico-científicas. Resta saber se o Governo está disponível para o fazer e em tempo útil.

Acresce que todas as vítimas dos incêndios de 2017 estão hoje duplamente vulneráveis com a crise actual. É preciso por isso tomar medidas adicionais para as apoiar.

 

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