Pelo combate à precariedade e promoção da formação e qualificação profissional do trabalho agrícola

Bloco de Esquerda recomenda que o Governo desenvolva um plano nacional de formação profissional no setor agrícola e que os apoios públicos devem cumprir as exigências mínimas de segurança no trabalho e direitos laborais. Só assim, quem trabalha, poderá conhecer os ecossistemas agrários e ser garantia de proteção ambiental e segurança alimentar.

Segundo o INE, em 2016, foram aplicadas 295.316 Unidades de Trabalho Anual (UTA - n.º de horas equivalente ao emprego de uma pessoa a tempo inteiro durante 1 ano) na agricultura em Portugal. A mão-de-obra familiar representava 72% do volume de trabalho total e a mão-de-obra não familiar e remunerada 28%. Entre o trabalho assalariado não familiar, a mão-de-obra permanente valia 64% das UTA.

Em 2016 foram contabilizados cerca de 77 mil trabalhadores permanentes assalariados, o que significa um aumento de 20,5% face a 2013 e de 53,3% em relação a 2009. Destes, 14 mil desempenham funções de dirigente e 41,2 mil estão a tempo completo na atividade.

A análise à estrutura e dimensão física e humana das explorações agrícolas atuais, assim como ao seu percurso, são demonstrativas da reduzida profissionalização do sector agrícola. Uma parte considerável das explorações agrícolas não reúne condições para tal, dada a sua natureza, nem os seus dirigentes têm interesse em que a mesma venha a ser criadora de emprego. Em muitos destes casos, a atividade agrícola representa um complemento ao rendimento familiar.

Dado o desenvolvimento tecnológico e científico em curso, não é previsível que o número de UTA venha a aumentar a nível nacional e europeu. Contudo, tem sido notório o crescimento do trabalho assalariado e a necessidade da sua especialização para responder a uma agricultura cujo futuro exige que seja capaz de incorporar novas tecnologias, mas também de compreender e intervir em processos ecológicos essenciais para a produção, para a segurança alimentar e para a preservação ambiental.

O trabalho agrícola tende a ser menos familiar e mais assalariado e essa mudança tem de ser acompanhada pela garantia de direitos no trabalho. A aplicação de um modelo assente em mão-de-obra barata e sem direitos, cujo carácter sazonal é amplificado pela generalização da monocultura, só pode dar mau resultado. Atualmente, já encontramos em Portugal homens e mulheres que vivem em contentores, com baixos salários e em total precariedade, que percorrem o país, garantindo colheitas, podas e outras operações agrícolas, da cultura da vinha ao olival, da horticultura à fruticultura. É exemplo a situação de dezenas de milhares de trabalhadores migrantes que respondem a necessidades de trabalho no Sudoeste Alentejano e na Costa Vicentina. Mas também os muitos trabalhadores migrantes que trabalham atualmente em centrais de venda e processamento de produtos agroalimentares, ou nos campos de produção hortofrutícola do Oeste e Ribatejo, nas vinhas da Região Demarcada do Douro ou nos olivais intensivos e superintensivos do Alentejo e Ribatejo.

A precariedade a que estão submetidos os trabalhadores do sector agrícola tem consequências múltiplas a nível socioeconómico, mas também ambiental. O elevado nível de desqualificação associado à grande mobilidade destes e/ou das entidades prestadoras de serviços a que estão afetos, a reduzida permanência nas explorações onde trabalham e os constrangimentos e objetivos económicos a que estas estão submetidas, conduzem a uma situação que impossibilita a aprendizagem sobre o meio em causa e à impossibilidade de os integrar em processos de gestão e decisão, fatores que por sua vez conduzem os ecossistemas agrários a uma situação de insustentabilidade e, por outro lado, condicionam a qualidade alimentar, a segurança e o bem-estar da população.

A especialização da mão-de-obra exige permanência e estabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras agrícolas, que só assim poderão ser conhecedoras dos ecossistemas agrários com que lidam e ser garantia de proteção ambiental e segurança alimentar.

O Bloco de Esquerda considera que o delineamento da Política Agrícola Comum, assim como a sua transposição para Portugal, não pode continuar a ignorar esta realidade e que, a par de um conjunto de exigências que respondam às necessidades de preservação ambiental, a entrega de apoios públicos deve ser condicionada ao cumprimento de exigências mínimas de segurança no trabalho, direitos laborais, formação profissional e garantia de aconselhamento técnico independente. O aconselhamento técnico não pode depender das empresas de compra e venda de fatores de produção, nem de intermediários de mercado.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

Assembleia da República, 26 de outubro de 2020.