"A tentativa de reduzir os direitos das mulheres, especialmente no que diz respeito ao controle sobre o seu próprio corpo, é uma ameaça que deve ser combatida vigorosamente"
Hoje, a minha intervenção política tem o firme e necessário propósito de repor a verdade.
Não estive presente na última Assembleia Municipal, que decorreu no passado dia 30 de abril, mas o que eu ouvi sobre o meu discurso de Comemoração de 50 anos da Revolução, chocou-me!
Chocou-me pela desonestidade política e chocou-me pela forma leviana como se adulterou uma intervenção, transparente, direta e sem outras interpretações possíveis.
Lamento que a deputada do Partido Social Democrata, não esteja presente, pois é à deputada Tânia Gandaio que me dirijo, de forma particular.
Apesar de tudo e porque a deputada em causa continua a merecer o meu respeito, vou fazer pela deputada Tânia Gandaio o que a deputada Tânia Gandaio não fez por mim, vou citar na íntegra o que disse acerca da minha intervenção, para não haver qualquer dúvida e para que ninguém possa ser induzido em erro.
Começo então por relembrar parte da intervenção do Bloco de Esquerda nessa manhã...
"Hoje, celebramos 50 anos de Abril, esse cheirinho bom, com a direita no poder, a direita que ressurge de ideias retrógradas e discriminatórias, a direita da 'família natural' que quer voltar atrás no tempo e fazer das mulheres úteros a tempo inteiro, depósitos de esperma e de porrada, que quer fazer dos filhos (à porrada), homens que fazem das mulheres corpos vazios, sem vigor, sem sangue, sem prazer, sem voz, que quer fazer das filhas (à porrada) cadeiras, aquelas cadeiras que nós pomos à volta da mesa e que estão ali imóveis até serem conduzidas, partidas, cortadas... 'Família Natural' dizem eles e elas, elas já cegas pelo poder conquistado, que se esquecem que para eles são uma peça cheia de buracos…"
Julgo ter citado a parte que mais chocou a bancada do PSD, só posso lamentar tamanha intolerância crítica…
O que diria esta bancada do PSD de tantos discursos efusivos de Natália Correia pelos direitos da mulher (que foi vossa deputada parlamentar e que saiu por razões que também devem conhecer), o que diria a bancada do PSD do livro Novas Cartas Portuguesas, escrito por 3 mulheres que condenaram o mundo patriarcal de forma nua e crua, o que diria a bancada do PSD das diversas manifestações organizadas por mulheres e homens pela igualdade de género e pelo fim da violência sobre as mulheres com discursos imponentes, carregados de exaltação e agitação, pós-25 de abril. Uma manifestação, em particular, boicotada pelo eco das vozes machistas a dizer: dispam-nas, dispam-nas, dispam-nas.
O meu discurso foi uma gota de água no meio de tanta luta feita e tantas palavras ditas contra as políticas e ideologias da direita retrógrada e da extrema-direita que ameaçam os direitos, arduamente conquistados pelas mulheres, consideradas inferiores, sempre inferiores.
Mesmo aqui, no outro lado do Atlântico, surgem mais tentativas de retrocessos nos direitos fundamentais da mulher...uma menor violada que aborta pode vir a ter uma pena superior ao seu violador…..o que diz a bancada do PSD sobre isto?
E ter um ventre e ouvir um homem dizer que as mulheres abortam como quem vai ali à tasca da esquina beber uma imperial ...isto é que é repudiante! Quem faz uma afirmação desta natureza é que merece o seu total repúdio.
Sou feminista há mais tempo que sou militante e deputada municipal do Bloco de Esquerda, quero dizer, que sou ativista pelos direitos da mulher e pelo fim da violência de género, antes de ser ativista partidária. Isto não é uma defesa de honra, porque eu sei bem onde a minha honra está, é justiça, honestidade, fundamentalmente é respeito pelo meu trabalho enquanto deputada. Respeito que sempre senti nesta assembleia apesar de termos diferentes pontos de vista. As palavras proferidas pela deputada da bancada do PSD quebraram este ciclo de respeito, que sempre senti.
A deputada Tânia Gandaio, representante do Partido Social Democrata, afirmou o seguinte: "Demonstrar o meu total repúdio e indignação pelas palavras proferidas pela deputada do Bloco de Esquerda, que não acrescentaram nada à reflexão dos valores que estávamos a comemorar nesse dia, pelo contrário, deixou uma mensagem de ódio e de ofensa às mulheres, quer a todas as mulheres vítimas de violência doméstica, as de antes e as de hoje e que no seu discurso intitulou como sendo mulheres de direita... nunca tolerarei que viver num país democrático, onde há liberdade e democrática sejamos obrigados a vir aqui a este órgão em defesa dos valores de abril, apelar ao bom senso, ressalvando que não iremos nunca baixar a guarda e deixar que os direitos que foram assegurados às mulheres, a todas as mulheres do meu país, sejam postos de forma degradante e que nada as valorizaram. Podemos ter formas diferentes de fazer política, mas não vale tudo. Temos de ter respeito pelas liberdades individuais de todos e todas e principalmente temos de ter respeito por nós próprios."
Pela primeira vez, que tenha conhecimento, houve um repúdio a um discurso de comemoração do 25 de abril de 1974, um repúdio a um discurso de celebração do seu cinquentenário com uma crítica, naturalmente forte e sentida, às vozes que começavam a surgir contra direitos conquistados, no ambiente de claro fervor do recém eleito governo da Aliança Democrática e da ascensão da extrema-direita em Portugal.
E de que forma atacam sempre os direitos da mulher, com o controlo do Estado, dos homens, pelo seu corpo. Não! Não basta dizer eu sou mulher e ficar à espera que as coisas mudem para melhor, os direitos não estão garantidos nem assegurados. A luta é mesmo para ser feita todos os dias.
Não se trata apenas de conquistar direitos, mas de garantir que esses direitos sejam respeitados e protegidos contra qualquer forma de retrocesso e é aqui, sim, que também devemos fazer essa prática é para isso que somos eleitas e eleitos.
A tentativa de reduzir os direitos das mulheres, especialmente no que diz respeito ao controle sobre o seu próprio corpo, é uma ameaça que deve ser combatida vigorosamente.
Tenho a certeza que nesta sala, todos e todas nós, ou já assistimos, ou tivemos conhecimento ou já sofremos de violência doméstica.
E porquê? Porque a violência sobre as mulheres era uma forma de educação permitida.
Há 24 anos, em conjunto com a força do movimento social que se fazia sentir na altura, o Bloco de Esquerda levou ao parlamento um projeto de lei que tornou a Violência Doméstica um Crime Público, projeto de lei aprovado por unanimidade.
E não parámos, nem dissemos já está, pelo contrário continuamos todos os dias a querer e a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária em cada proposta que fazemos e apresentamos.
A liberdade, a igualdade e a justiça são valores que devem ser defendidos com vigor. O 25 de Abril abriu-nos as portas para podermos construir uma sociedade mais solidária e unida.
É nossa a responsabilidade de garantir que essas portas nunca se fechem e que os ideais de Abril continuem a guiar-nos, mesmo que digam que o que dizemos não vale nada e não acrescentou nada.
É lamentável e sem precedentes.
Faço esta intervenção política por tudo o que me faz lutar diariamente, pela exploração milenar do corpo da mulher e pela misoginia que ainda existe e que mata e destrói dezenas de agregados familiares todos os anos.
“Família Natural” ninguém nesta sala ou fora dela sabe o que significa.