Os liberais e a crise climática

Quando se quer falar de monopólios energéticos, da falta de recursos para fazer a transição climática e garantir trabalho digno, da impossibilidade de crescer indefinidamente sobre recursos finitos, quando se quer tocar onde doí - aí a direita não toca. E esse é o programa da Esquerda.

Dia 30 de Janeiro de 2022 começou um novo ciclo político em Portugal. A maioria absoluta expressa do Partido Socialista em conjunto com a fragilização dos Partidos da Esquerda e a reconfiguração da direita vêm demonstrar a diferença dos próximos quatro anos que se seguem.

Um dos partidos que tem dado graças à sua popularidade, especialmente junto dos jovens tem sido a Iniciativa Liberal, garantindo 8 deputados na Assembleia da República. Este partido apresenta medidas para a questão climática como deduzir, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), os custos associados à implementação de medidas de eficiência energética nos edifícios e introduzir um plano de ação nacional para corrigir e otimizar a recolha de resíduos elétricos e eletrónicos, defendendo que ainda que é preciso acelerar a mobilidade elétrica. No entanto, Cotrim deixou claro nos debates para as legislativas de 2022 que a questão é perfeitamente secundária porque “A transição climática é cara e os processos de descarbonização são caros, são precisos recursos”. Além disso, acusa o alarmismo da Esquerda em mobilizar a questão da crise climática como fundamental para a política que responda aos desafios do século XXI, contribuindo para “uma campanha despudorada contra a economia de mercado”.

Talvez Cotrim tenha razão ao assumir que há um paradoxo fundamental entre as ideias de liberalismo e liberdade de mercado e a garantia de recursos para a vida da Humanidade e do nosso planeta. A lógica da direita é que, para resolver qualquer problema social, é preciso enriquecer o país - não reconhece nesse enriquecimento e nessa lógica extrativista a razão da destruição dos nossos ecossistemas e das comunidades. As pessoas na linha-da-frente sabem as consequências reais das políticas de mercado e do capitalismo que fala a língua floreada do liberalismo.

Talvez também considere a ONU uma organização de esquerda. Porque deste organismo têm saído relatórios verdadeiramente alarmistas, como o sexto relatório do IPCC que refere que se não efetivarmos mudanças estruturais na economia não será possível responder à crise climática. O consenso científico sobre o tema é aprofundado e tem já tinha sido estudado por vários cientistas, sendo o documento que o determinou de forma mais concisa sido o definido por Naomi Orestes em 2009 no documento “The Scientific Consensus on Climate Change”. O resultado foi chocante: 97 % das lideranças científicas internacionais estabelecem um cenário de caos climático, caso não sejam tomadas medidas urgentes para inversão deste processo. Nas palavras de Greta Thunberg na “Climate Action Summit” em 2019, "For more than 30 years, the science has been crystal clear. How dare you continue to look away and come here saying that you're doing enough, when the politics and solutions needed are still nowhere in sight.”

Talvez o líder da Iniciativa Liberal também tape os olhos à catástrofe ecológica que se desdobra neste mundo fora, obrigando a emigração forçada, pobreza, criando refugiados climáticos, pondo em causa comunidades como tem acontecido com a exploração de lítio em Portugal.

No plano da direita é absolutamente possível discutir os problemas do país e da economia sem dizer a palavra crise climática uma única vez. Ambiente, ainda se ouve uma ou duas vezes, mas talvez para celebrar as medidas propostas pelo PSD relativamente à regulação da utilização dos sacos de plástico. Quando se quer falar de monopólios energéticos, da falta de recursos para fazer a transição climática e garantir trabalho digno, da impossibilidade de crescer indefinidamente sobre recursos finitos, quando se quer tocar onde doí- aí a direita não toca. E esse é o programa da Esquerda.