A quem servia um orçamento a qualquer custo?

Os tempos difíceis que vivemos não justificam a aprovação de maus orçamentos, antes aumentam a exigência de justiça e rigor sobre os mesmos.

Um orçamento que não serve os interesses do país merece o voto contra independentemente das conjunturas político-partidárias do momento. Esta é a decisão responsável que se pede à Assembleia da República e foi essa a decisão do Bloco de Esquerda nos últimos dois orçamentos. Desta vez chumbou. Os tempos difíceis que vivemos não justificam a aprovação de maus orçamentos, antes aumentam a exigência de justiça e rigor sobre os mesmos. Hoje quem observar as insuficiências dos Hospitais e Centros de Saúde pode conferir facilmente como esta era a decisão correta já no Orçamento de 2020 - que o Bloco votou contra também. Desde então avolumaram-se as queixas dos utentes e de muitos profissionais que alegam falta de condições para garantir serviços com a devida qualidade. Os Centros Hospitalares de Leiria e do Oeste são bons exemplos destas carências, que se agravaram substancialmente com a pandemia.

A degradação das condições de trabalho no SNS leva a uma sangria dos profissionais para o sector privado e dificulta a contratação de novos profissionais, motivo pelo qual não existem candidatos suficientes para as novas contratações que são colocadas a concurso. Apesar da pandemia, o Governo recusou-se a acordar medidas capazes de corrigir minimamente esta situação.

A crise pandémica agravou fortemente as dificuldades económicas de muitas pessoas, mas o Governo recusa-se a tomar medidas com capacidade suficiente para responder ao país. Não é compreensível que se mantenha um corte extra de 15% nas reformas de milhares de pessoas com longas carreiras contributivas que se reformaram antecipadamente entre 2014 e 2018. A lei mudou, quem se reformar hoje nas mesmas condições já não tem essa penalização. O Bloco propôs que se acabasse com esta injustiça, mas o Governo recusou. Além de ser uma justa medida para quem tem uma vida inteira de trabalho, é também uma forma de garantir emprego a quem está desempregado. Para responder à crise económica é preciso também tomar medidas que promovam o aumento de salários e assim melhorar a distribuição de riqueza, mas o Governo limita a sua ação à subida do salário mínimo nacional e por isso há cada vez mais gente a ganhar o salário mínimo. O Bloco propôs a retirada das medidas lesivas que o Governo da troika colocou no código do trabalho, que facilitam os despedimentos e dificultam a contratação coletiva, mas o Governo recusou. De salientar que o Partido Socialista se opôs a estas medidas aquando do Governo PSD/CDS.

O Governo não aceitou nenhuma das nove propostas apresentadas pelo Bloco e preferiu as eleições pré-anunciadas por Marcelo. Algumas delas não teriam qualquer peso no Orçamento e outras implicariam mudanças nas prioridades do Governo, pois o dinheiro que falta para garantir justiça social parece sobrar em política de favorecimento. Exemplos: o Estado perde mais de 600 milhões de euros por ano ao isentar de impostos muitos pensionistas estrangeiros habitualmente chamados de residentes não habituais. O Estado perdeu injustificadamente mais de 100 milhões de euros em imposto de selo na venda das barragens da EDP.

O que está em causa neste chumbo do Orçamento e, portanto, nas eleições que se avizinham, é o confronto entre o Serviço Nacional de Saúde e os Grupos de Saúde Privados na disputa de dinheiros públicos, é o confronto de pensionistas e trabalhadores com baixos rendimentos com aqueles que lucram com a precariedade e benefícios fiscais lesivos ao interesse público.

 

Artigo publicado no Jornal digital TintaFresca a 5 de novembro de 2021