Bloco denuncia abusos na formulação da nova PAC

Latifundiários tentam manter rendas históricas tentando captar apoios que estão destinados à agricultura biológica. Ministra recusa intensão de atribuir 10 milhões de euros a grandes produtores de milho para grão apesar do ministério já ter produzido a medida. 14 ONGs protestam por falta da transparência.

Transformação da paisagem e prevenção de incêndios pode perder financiamento da PAC a favor de rendas a proprietários de terras não cultivadas a sul do Tejo.

Latifundiários tentam manter rendas históricas tentando captar apoios que estão destinados à agricultura biológica. Ministra recusa intensão de atribuir 10 milhões de euros a grandes produtores de milho para grão apesar do ministério já ter produzido a medida. 14 ONGs protestam por falta da transparência.

No passado dia 7 de Julho, em Audição Regimental, o Bloco de Esquerda interpelou a Ministra da Agricultura sobre o facto de já terem dado entrada no Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP) as candidaturas de 650 mil hectares à medida agroambiental Agricultura Biológica, correspondendo a uma transferência direta da medida Produção Integrada, quando comparado com o anterior quadro comunitário. Este súbito crescimento deve-se à tentativa de grandes latifundiários a sul Tejo darem por garantida a manutenção de uma renda atribuída por hectare em terras não cultivadas, lesando o interesse público. Confrontado com os factos, a ministra respondeu ao Bloco de Esquerda que não quer que se repita o “erro” do passado que ainda hoje está a ser pago, que quer acabar com o histórico que determina os pagamentos, mas nada referiu sobre as instruções que vai dar ao IFAP para travar esta tentativa.

Questionada sobre o lançamento de uma medida de apoio ao milho para grão com uma previsão superior a 10 milhões de euros, a ministra recusou esta intenção do Governo, apesar da existência de várias notícias e comunicados sectoriais que dão conta dela. Segundo o deputado Ricardo Vicente, o Bloco de Esquerda teve acesso a documentos oficiais do ministério onde a mesma está contemplada. O deputado valoriza o recuo do Governo, afirmando que a medida não faria sentido, porque o milho está atualmente a ser vendido a preços record e que medidas semelhantes já deram maus resultados no passado, tendo sido instrumentalizadas para captura de subsídios ou promovido a delapidação de solos. O deputado considera ainda que esta seria uma má opção para a gestão dos recursos hídricos, que devem ter outras prioridades.

No leque de preocupações do Bloco de Esquerda está ainda o financiamento dos Planos de Transformação da Paisagem, que muito dependem da sua correta inclusão nas medidas nacionais da PAC e que o ministério da agricultura está a boicotar. Confrontada com as consequências das intenções do Governo, a ministra refugiou-se no cumprimento de uma resolução do Conselho de Ministros que prevê um aumento de 25% dos apoios às zonas vulneráveis em dois anos. Nada disse sobre a sua inclusão no Plano Estratégico da PAC e na aplicação das suas medidas até 2027. O deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda, considera que “o Governo será negligente se este cenário se concretizar, comprometendo a segurança dos territórios mais vulneráveis aos incêndios para poder continuar a entregar subsídios de privilégio a grandes proprietários fundiários”. Os distritos de Leiria, Coimbra, Viseu e Castelo Branco, que foram muito afetados pelos incêndios de 2017 serão dos mais afetados.

 

Vídeos:

1ª - Intervenção do deputado Ricardo Vicente - aqui

2ª – intervenção do deputado Ricardo Vicente - aqui

3ª – intervenção do deputado Ricardo Vicente - aqui

Audição Regimental Completa aqui

 

Intervenção do deputado durante a audição Regimental de 7 de julho:

« Senhora Ministra, senhor Secretário de Estado, senhores deputados, senhoras deputadas

Ontem o Parlamento recebeu um comunicado subscrito por 14 organizações não-governamentais de ambiente a respeito do Plano Estratégico da PAC. Permitam-me que saúde esta iniciativa.

Reclamam que a construção do PEPAC em Portugal não tem permitido um envolvimento adequado das organizações do ambiente nem de outros interlocutores como por exemplo da área da saúde, dos direitos dos consumidores e dos direitos humanos. Neste documento, as organizações signatárias consideram que o processo do PEPAC é pouco transparente e pouco inclusivo. Apresentam também propostas concretas e o Bloco já requereu a sua audição no Parlamento. Queremos ouvir também os 7 peritos que se demitiram do conselho de acompanhamento com queixas semelhantes, aguardamos o agendamento.

O Parlamento recebeu também uma carta aberta subscrita por mais de 100 investigadores nacionais, preocupados com a adequação do PEPAC às necessidades de resposta às Alterações Climáticas.

De acordo com um relatório recente do Tribunal de Contas Europeu sobre a PAC a maioria das medidas apoiadas tem um baixo potencial de atenuação das alterações climáticas e há várias medidas que promovem o aumento de emissões. O relatório alerta ainda que são necessárias medidas concretas que promovam a eficiência dos consumos em vez de despejar dinheiro sobre modalidades agrícolas, como acontece com a agricultura biológica ou a produção integrada em Portugal.

Estes alertas são todos muito importantes senhora ministra.

A este respeito: aquando da implementação do anterior quadro comunitário, no Governo de Assunção Cristas, as regras comunitárias impossibilitaram a continuidade do Regime de Pagamento Único, que na verdade funcionava como uma renda fundiária para quem tinha histórico de acesso. De forma desvinculada do emprego e da produção de bens e serviços, sem qualquer monitorização. O Governo garantiu que o RPB, juntamente com o greening, sucedessem ao RPU e possibilitou um overbooking de 250 milhões de euros numa medida agroambiental, a Produção Integrada. Desta forma: (a) aumentou as rendas fundiárias dos maiores beneficiários; (b) compensou parte das perdas sofridas por alguns setores mais prejudicados em termos relativos pela convergência interna e pelo Greening, com destaque para os produtores de milho para grão.

A primeira pergunta que lhe faço é se o seu Governo pretende repetir receita semelhante: é que já anunciou subtrair 85 milhões de euros por ano ao pilar do desenvolvimento rural e acabámos de saber que o PU deste ano inclui cerca de 650 mil ha de Modo de Produção Biológico, ou seja, um acréscimo de mais de 400 mil hectares, em grande  parte constituído por pastagens pobres, que transitaram da Produção Integrada.

Como justifica esta situação? »

«Pretende o seu Governo continuar a financiar terras não cultivadas e a despender dinheiros públicos em medidas que não produzem qualquer bem público? Vai aceitar estas candidaturas e a consequente redução de verbas nas restantes medidas?»

« Senhora ministra, o Governo propõe-se afetar já em 2022 um envelope de 12,6 milhões de euros a um pagamento ligado aos cereais, dos quais mais de 10 milhões são para apoio ao milho em regadio. Na conjuntura atual o preço do milho situa-se em máximos históricos, pelo que não se justifica qualquer medida de compensação. Além disso, esta cultura é das mais dispendiosas em água, recurso que é escasso, pelo que o incentivo dado contribuiria na prática para diminuir a produtividade e eficiência do uso da água, contrariando uma das principais prioridades das políticas agrícola e de ambiente comunitárias e nacionais.

Como justifica esta decisão?

Para que serve afinal o PEPAC e as consultas públicas se o seu Governo já está a concretizar medidas que nalguns casos constituem opções de fundo muito contestáveis e já muito contestadas ?

As consequências desta e de outras medidas na equidade social e territorial e na eficiência da PAC têm sido avaliadas?

O Governo e o ministério estão em condições de apresentar esse balanço?

Vai o seu governo continuar a fazer depender da área mais de metade dos apoios da PAC?

Senhora ministra, existem vários territórios na região centro e norte do país que combinam uma paisagem dominada por Eucalipto e Pinheiro Bravo, com a mais reduzida cobertura do território pelos subsídios da PAC e um grande abandono da atividade agrícola, que são as principais razões para a ocorrência de incêndios de grande dimensão, intensidade e perigosidade. São exemplo muitos concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra, Viseu e Castelo Branco, entre outros. O Governo reconheceu a importância da agricultura, em especial dos modelos agro-silvo-pastoris na compartimentação da paisagem e na resiliência aos incêndios quando lançou as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, onde prevê o pagamento de serviços de ecossistema. Mas agora é preciso que as AIGP se concretizem e a PAC representa o maior envelope financeiro que o país terá acesso na próxima década. A segurança nos territórios rurais contra os mega-incêndios depende muito desta medida e cabe à senhora ministra e ao seu Governo decidir hoje sobre os riscos que as populações rurais vão correr nas próximas décadas, onde as alterações climáticas se farão sentir mais fortemente.

Os documentos do PEPAC que estiveram em consulta pública não têm uma palavra sobre este assunto. Tivemos informação que o seu Ministério pondera não dar qualquer prioridade a estes territórios  ou, se obrigado a fazê-lo para cumprir os mínimos do disposto na RCM 21/2021 de 22 de março, reduzir o mapa d dos territórios abrangidos, com base num critério tecnicamente inconsistente, e fazer o seu financiamento apenas com uma preferência de acesso à reserva do RPB.»

« Se assim for, significa que o valor a pagar vai ser residual e não vai mobilizar os proprietários para esta medida. Daqui por 10 anos a floresta estará pior e os territórios e as populações estarão ainda mais vulneráveis.

Pergunto: Senhora Ministra, tem consciência da responsabilidade ética e das consequências trágicas que poderão advir dessa opção?.

Haverá alguma prioridade política na PAC que se possa sobrepor à defesa da vida e da segurança das populações e dos territórios do centro e norte do país face ao flagelo dos incêndios?

Vale a integral proteção dos direitos históricos aos pagamentos diretos, incluindo a manutenção de rendas fundiárias para centenas de milhar de hectares que não são cultivados, mais do que a segurança destas pessoas e do que contributo indispensável dos agricultores que resistem e produzem nestas condições tão ingratas?

Não será necessário ir até mais longe, criando um ecoregime, que possibilite cobrir as diversas tipologias de agricultura do território, incluindo a destes territórios mais vulneráveis, com pagamentos em função dos resultados, em montante equivalente à justa valoração dos serviços prestados na transformação da paisagem?»