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E agora a Esquerda?

No dia 7 de novembro o país acordou com a polícia a entrar nos ministérios e na residência oficial do primeiro-ministro. Seguiram-se a constituição de arguidos e a detenção de pessoas intimamente ligadas ao círculo do poder e a António Costa.

O golpe de misericórdia ao Governo foi dado por uma nota do gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República, que dava nota que António Costa seria alvo de um inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, dado que o seu nome foi referenciado no processo.

Os resultados desta manhã frenética estavam anunciados: uma profunda crise política e eleições antecipadas. E no meio disto tudo fica a pergunta: “E agora?”

E agora o Partido Socialista?

Em 2021 o Partido Socialista (juntamente com Marcelo Rebelo de Sousa, a bem dizer) tinha já precipitado o país para crise política, com o chumbo do Orçamento por parte da esquerda parlamentar e com a convocação de eleições resultante desse chumbo.

As razões da esquerda eram claras: o OE apresentado não respondia às necessidades do país e era uma declaração de deserção e abandono dos serviços públicos.

O Partido Socialista, aproveitando a tão conveniente vontade de Marcelo, cavalgou a onda da “instabilidade” e com uma campanha assente na quebra da cerca sanitária que separava a direita democrática da extrema-direita ganhou uma maioria absoluta e lá se viu livre dos “empecilhos de esquerda”.

Hoje a situação será diferente por várias razões. A primeira razão é que o tempo deu razão ao Bloco de Esquerda e às razões que apresentámos para chumbar um mau Orçamento. Se antes não havia a perceção pública de que o Governo tinha capitulado na missão de salvar os serviços públicos que nos são essenciais, agora é inevitável.

A segunda é que desta vez será preciso um flic flac à retaguarda com um mortal encarpado do Partido Socialista para aparecer nas eleições de 10 de março de cara lavada. Afinal, que governabilidade e que estabilidade nos trouxe a maioria absoluta de António Costa? Esta maioria rapidamente se enredou em jogos de poder internos e tacticismos político-partidários, deixando para trás um país que sofre com a especulação imobiliária e a degradação dos serviços públicos.

Uma das características das maiorias absolutas é a opacidade no trato parlamentar e em relação ao escrutínio público. Afinal, do ponto de vista prático, de que serve uma discussão orçamental ou uma discussão relativa a opções estratégicas para o país num cenário de maioria absoluta? Esta maioria, como é hábito em Portugal, achou que se bastaria a si mesma, esgotou-se e implodiu. Mas não implodiu sem deixar para trás um rastilho de pólvora na confiança dos portugueses nas instituições da República – e isso é o mais grave.

E agora a Esquerda?

A Esquerda que nos representa não pode fazer uma campanha eleitoral condicionada pelo clima de lamaçal no cenário político português. O Bloco de Esquerda deve fazer uma campanha com propostas concretas para os problemas concretos dos portugueses.

A Esquerda que o Bloco de Esquerda representa tem currículo na defesa do interesse público e na denúncia da negociata e do facilitismo. Denunciámos as rendas excessivas na energia, denunciámos o regime de promiscuidade e de bar aberto entre o poder político e banca, denunciámos todas as portas giratórias entre o poder político e o poder regulatório. Denunciámos Ricardo Salgado, Manuel Pinho, José Sócrates, Matos Fernandes, Mário Centeno, Lacerda Machado e Vítor Escária.

Para além deste trabalho na luta contra a corrupção nunca abandonámos as lutas da habitação, da saúde, da educação, do salário e dos transportes – e é esse trabalho que deve ser feito nos meses que se seguem, dando continuidade ao que havia sendo feito, em especial, desde a conquista da maioria absoluta.

O Bloco de Esquerda foi sempre a Esquerda que mostrou um projeto para levar o país a sério, por oposição à maioria absoluta que se degradou e implodiu em tempo recorde sem ter resolvido qualquer problema estrutural no nosso país – a contrario sensu, terá agravado alguns.

O Bloco partirá para estas eleições com um programa eleitoral que está assente na defesa do salário, dos serviços públicos, numa luta incessante em defesa do direito à habitação, e pela transição energética – afinal é isto que importa na vida das pessoas.

Somos a Esquerda que não se conforma com o encerramento de urgências, com o desmantelamento do SNS para peças nem com o agravar das condições de trabalho dos profissionais de saúde – nem muito menos toleramos que se brinque com os médicos em negociações que duram há quase 2 anos.

Somos também a Esquerda que nunca largou a mão da escola pública e nunca deixou de estar solidária com os professores que todos os dias garantem este pilar da nossa democracia. Andar com a casa às costas e pagar para trabalhar é vexatório e é sintomático de um país que desistiu dos serviços públicos.

Na Habitação vamos à luta também com propostas concretas que podem, sendo executadas, ter efeitos imediatos na vida das pessoas. Travões aos preços das casas e das rendas não são medidas radicais, nem muito menos é radical exigir que as novas construções tenham frações destinadas a habitação acessível. Não é radical exigir o fim das isenções fiscais aos residentes não habituais e o fim dos Vistos Gold, que são uma porta de entrada para a criminalidade de colarinho branco que lesa o País em milhões de euros e tem um efeito especulativo no mercado imobiliário.

Não pedimos esta crise política, mas ela dificilmente terá apanhado alguém desprevenido. Avançamos para mais um período eleitoral sem medo – afinal o tempo deu-nos razão. Somos a alternativa de Esquerda ao pântano em que quiseram mergulhar o país e partimos com a vantagem de ter coerência na defesa dos serviços públicos e do salário e é por isso que cresceremos.

 

Texto: Frederico de Moura Portugal