Bloco de Esquerda defende fim dos privilégios e contemplação do trabalho familiar/assalariado no acesso aos apoios da PAC

Intervenção do deputado, eleito por Leiria, Ricardo Vicente na Comissão de Agricultura e Mar, a respeito do Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum pós-2020.

Obrigado Senhor Presidente

Em primeiro lugar um agradecimento a todos os intervenientes deste debate, que nos trouxeram bastante informação, muito útil para o delineamento do próximo quadro comunitário da produção do PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) e para também a intervenção dos grupos parlamentares aqui na Assembleia da República.

Quero em nome do Bloco de Esquerda sublinha, que sim, a Política Agrícola Comum nasce torta na União Europeia, para aquilo que são as realidades concretas das agriculturas do sul. Não só para Portugal, mas para todas as agriculturas do sul, como todas as agriculturas mediterrânicas.

Mas isso não justifica tudo, há uma parte que é margem de manobra nacional, que é essencial, que nunca foi tida em consideração e que, quadro após quadro, nunca foi utilizada como verdadeira adaptação àquilo que é a realidade da nossa agricultura um pouco por todo o território.

E, por isso, esta Política Agrícola Comum e a sua aplicação em Portugal não tem respondido ao interesse público, consideramos. Um exemplo disso espelha-se nos direitos históricos que capturam um terço dos apoios da PAC e que se centralizam essencialmente em grandes produtores e que se focam em algumas regiões em concreto, como é o caso do Alto Alentejo e tem prejudicado outras regiões, como é o caso do Pinhal Interior, onde há uma disparidade tal, que por trabalhador agrícola o Alentejo recebe 10 vezes mais apoio do que um trabalhador do Pinhal Interior.

E isto, é um nível de desigualdade brutal que necessita de ser alterado e, por isso, consideramos que os apoios da Política Agrícola Comum foram erradamente desligados da produção e que deveriam contemplar o fator trabalho, como fator de equidade. O trabalho familiar, mas também as condições do trabalho assalariado, que em muitas circunstâncias roçam o trabalho escravo e que em nada contribui, nessas circunstâncias, para o desenvolvimento do território e das economias locais.

Por isso, quero aqui sublinhar como indispensável uma sugestão do professor Francisco Cordovil de produção de diagnósticos das necessidades e das potencialidades ao nível de cada região, para que a partir desses diagnósticos se faça uma aplicação de uma política que responda àquilo que são as necessidades territoriais.

E vemos em alguns exemplos que trouxeram os investigadores que aqui ouvimos a necessidade de que esse caminho seja percorrido. É o exemplo dos modelos agro-silvo pastoris do Montado, que têm condições específicas de avaliação, de monitorização, de acompanhamento que devem ser tidos em consideração e que a professora Teresa Pinto Correia nos trouxe. É o exemplo da baixa produtividade do trabalho agrícola e a sua relação com o risco de incêndio, que o professor José Lima Santos nos mostrou, em relação às zonas de maior risco e perigosidade de incêndios. É a definição de prioridades para o regadio e para a política pública de apoio ao regadio, que numa audição que esta comissão fez anteriormente, também com a professora Teresa Pinto Correia e com o professor Mário de Carvalho, demonstrou com a política de regadio tem sido uma política de privilégio sobre algumas regiões e sobre uma faixa muito reduzida de agricultores.

Mas, é também a necessidade o ordenamento florestal e paisagístico que o professor Francisco Rego nos trouxe hoje também, como necessidade premente e essencial para redução da perigosidade de incêndios e para proteção das populações rurais, com integração da agricultura e de uma floresta diversificada.

E, portanto, permitam-me que sublinhe aqui a repetição de uma erro da Política Agrícola Comum direcionada para a agricultura que é a repetição de um erro que já aconteceu na floresta.

Na floresta uniformizamos vastas áreas do território com monoculturas de Pinheiro Bravo e Eucalipto e hoje essa uniformização, associada aos riscos de alterações climáticas, obriga-nos a projetar planos de transformação da paisagem que o Governo anunciou, mas, em simultâneo, uniformizam-se as áreas agrícolas ao nível dos regadios, com monoculturas de quilómetros quadrados de olival e amendoal que têm impactos desastrosos a todos os níveis no nosso território.

E, portanto, a pergunta que quero colocar é: se a necessidade de planeamento, que a nível florestal também já foi vista como necessária e aparentemente consensual entre investigadores, que é a necessidade de rever os planos, as metas dos programas regionais de ordenamento florestal e de aprofundar os planos de transformação da paisagem, se não deveriam ser produzidas medidas, ferramentas no mesmo sentido para garantir a heterogeneidade da paisagem, também do ponto de vista agrícola. E se a Política Agrícola Comum não deve ser promotora dessa mesma heterogeneidade?

Um outro problema, aqui falado, foi a questão da falta de incorporação de conhecimento científico nas explorações agrícolas, para garantir que se atingem metas a que a Política Agrícola se propõe. Eu, como Engenheiro Agrónomo, já vi várias vezes explorações agrícolas adquirirem equipamentos sobre os quais não tiveram capacidade para os rentabilizar, porque simplesmente lhes faltava competências técnicas para utilizar os equipamentos de fertirega, por exemplo, que permitem monitorizações de precisão. E, falta-nos ao nível do Ministério da política pública uma ferramenta capaz de garantir essa eficiência. Para garantir o melhor uso da água, para garantir a preservação da biodiversidade, para responder a pragas e doenças e responder através de processos ecológicos à necessária redução do consumo de fatores de produção, como é o caso dos pesticidas.

Hoje, para responder a todas estas necessidades, temos um Ministério da Agricultura mais magro de sempre e mais envelhecido de sempre. A pergunta que se coloca e que quero deixar aqui também é: se a resposta que encontramos para esta necessidade é a reconstrução dos antigos serviços de extensão rural ou a sua reinvenção, de outra forma? No Bloco de Esquerda temos defendido que se deve construir um serviço nacional de apoio à gestão de ecossistemas para garantir um conjunto de apoios e de incorporação de conhecimento técnico-científico a nível agrícola e florestal, que está em falta, com gente qualificada e dedicada exclusivamente a essa função. Quero questionar se há acordo sobre isso entre as pessoas que aqui hoje foram ouvidas ou se há propostas alternativas?, que também gostamos de conhecer para melhorar as nossas ou mesmo alterá-las.

Quero também manifestar concordância total com a necessidade de arranjar processos mais participativos e regionalizados para aplicação dos apoios da Política Agrícola Comum e que nessa nova formulação se deve contemplar a questão do fator trabalho como critério de equidade territorial e promoção dessa equidade social também e tendo esse assunto sido muitas vezes aqui abordado, quero questionar aos oradores: porque motivo esse processo de regionalização, de consideração das características regionais e de inclusão do fator trabalho não avançou?, porque aparentemente não avançou e quero questionar-vos também se não estamos a tempo ainda de o incluir no delineamento do PEPAC na aplicação da Política Agrícola Comum em Portugal, como o Bloco de Esquerda considera que sim.

Sobre a questão do regadio, temos defendido a necessidade da realização de uma avaliação ambiental estratégica para o regadio, para que as prioridades vão de acordo ao interesse público e para se reduzir ao máximo os impactos ambientais, dando como certo que o regadio é uma ferramenta de resposta às alterações climáticas., nesse sentido, manifestar concordância também com as vozes da academia, que têm manifestado a necessidade de desconcentrar os apoios e os serviços de regadio no país, como forma de garantir a equidade territorial e social.

Para terminar, sublinhar também, estando nós à entrada da década decisiva para responder às alterações climáticas, do ponto de vista da política pública, é mesmo na próxima década que isso tem de se resolver, é mesmo esta a principal ferramenta de política pública de financiamento à transformação da agricultura para essa janela de oportunidade. O Bloco de Esquerda tem defendido que precisamos de um programa de transição ecológica agro-florestal e que esse programa de transição seja a linha condutora para a aplicação de todos os apoios direcionados à agricultura. Esse programa não existe e não está, dessa forma, contemplado, nem do ponto de vista dos incêndios, nem do ponto de vista dos serviços de ecossistema, que são necessários garantir para a resiliência do território, nem do ponto de vista da soberania alimentar, face às novas circunstâncias do clima.

De que forma se pode pensar uma Política Agrícola Comum e construir uma Política Agrícola Comum até 2027, que vá de encontro as essas necessidades que nos são impostas, não pela política atual, nem por nenhuma outra circunstância, é mesmo pelo palco que possibilita a vida na terra como nós a conhecemos, que é o nosso planeta e o nosso sistema climático como está. Portanto, temos 10 anos para o alterar e este é um fator novo e para o qual somos convocados com a maior urgência possível, se ignoramos este facto e deixamos que a transposição da Política Agrícola Comum siga o “business as usual” e a política de privilégio, em função de quem tem mais ou menos área e não considera as questões de coesão social, territorial e a resposta às alterações climáticas, então estamos a passar um atestado que dará muito mau resultado para as gerações futuras. 

Ver vídeo da intervenção aqui.