Os apoios da PAC deviam considerar o emprego

Se considerarmos as horas de trabalho em cada exploração agrícola, em média, as explorações agrícolas do Alentejo recebem dez vezes mais apoios por trabalhador que as localizadas nas regiões mais afetadas pelos incêndios.

Têm sido muitas as manifestações de descontentamento sobre a Política Agrícola Comum em Portugal e as desigualdades que esta política promove. Se considerarmos as horas de trabalho em cada exploração agrícola, em média, as explorações agrícolas do Alentejo recebem dez vezes mais apoios por trabalhador que as localizadas nas regiões mais afetadas pelos incêndios.

Mais de 40% das explorações agrícolas portuguesas estão excluídas de qualquer subsídio da PAC, mas se analisarmos as regiões da estremadura e do algarve, foram excluídas mais de dois terços ao longo dos últimos dois quadros comunitários.

Os agricultores e os produtores florestais conhecem bem este problema. Enquanto uns não recebem nada, outros lucram mais com os apoios públicos do que com a sua própria produção. Estudos recentes demonstram que, em média, os subsídios da PAC representam mais de metade do rendimento agrícola anual do alto Alentejo. O antigo Regime de Pagamento Único, atual Regime de Pagamento Base (RPB), desligado do emprego e da produção, trata-se de uma renda histórica dedicada essencialmente a grandes proprietários, um regime de privilégio que consecutivos Governos têm defendido, num amplo acordo entre o Partido Socialista e a direita.

O Governo está agora a produzir o Plano Estratégico nacional para a PAC até 2027 e tem a melhor oportunidade de sempre para retificar esta política pública e fazê-la, de uma vez por todas, corresponder ao interesse público. Para preparar este caminho, foi criado há três anos um painel de peritos de forma a obter aconselhamento científico. Acontece que já vários desses peritos vieram à Assembleia da República manifestar o seu descontentamento com a ação e as intensões do Governo para a política agrícola e florestal. O descontentamento tem um denominador comum: chama-se iniquidade territorial e social. Recentemente houve mesmo a demissão de um especialista que deu lugar a uma carta que recebemos no Parlamento, onde se pode ler que “as decisões que têm sido tomadas pelo Ministério da Agricultura não contemplam princípios e objetivos fundamentais de equidade”. O Ministério da Agricultura é ainda acusado de falta de transparência na condução deste processo.

Perante as novas regras comunitárias, o Governo prepara-se para diminuir 85 milhões de euros por ano ao pilar do desenvolvimento rural, para os entregar aos beneficiários do RPB e garantir que a renda se mantém.

Em Portugal, mais de metade da despesa pública da PAC é aplicada em medidas que dependem essencialmente da área agrícola, da propriedade.

 Distribuição da despesa Pública da PAC, por tipologia de medidas, no continente, no limiar de 2020 (Fonte: Estudo de Francisco Cordovil que acompanhou a carta de demissão: Política Agrícola e Equidade Territorial no limiar 2020)

Em consequência da atribuição dos apoios pela área, estes são quase todos aplicados a sul do tejo e a norte do Algarve, onde os grandes proprietários se especializaram a capturar subsídios. O resto do país e a pequena agricultura do Alentejo ficam para trás. O descaramento é tal, que boa parte dos apoios destinados à agricultura biológica, são capturados por pastagens que não produzem carne biológica. O Bloco de Esquerda apresentou um Projeto de Resolução para promover a agricultura biológica e combater este abuso, mas foi chumbado no passado dia 11 de março, com os votos contra do PS e da direita e as abstenções do PEV e do PCP.

A agricultura portuguesa é muito mais do que propriedades e áreas agrícolas declaradas, é produção de alimentos, é trabalho e emprego que sustentam as populações e conferem coesão ao território. Mas até hoje, os governos ignoraram esta realidade e o atual Governo tem dado sinais de que é para continuar, recusando incluir critérios de equidade territorial e social na atribuição dos apoios da PAC. Muitas áreas beneficiadas pelo RPB, medida que representa 1/3 dos apoios da PAC, nem sequer são cultivadas, mas os proprietários recebem apoios de igual forma. As explorações agrícolas a norte do Tejo são as que mais emprego geram, as que mais famílias sustentam, mas como o trabalho familiar e assalariado não contam nas contas dos Governo, os apoios da PAC por trabalhador são dez vezes maiores no Alentejo do que na região afetada pelos grandes incêndios de Pedrógão Grande e mais de o dobro do que no resto do país.

Distribuição da despesa pública da PAC por Unidade de Trabalho Anual (UTA), por região, no limiar de 2020. Uma UTA corresponde ao número de horas de trabalho de um trabalhador permanente ao longo de um ano. Fonte: Estudo de Francisco Cordovil que acompanhou a carta de demissão: Política Agrícola e Equidade Territorial no limiar 2020

Esta forma desigual de aplicação da despesa pública da PAC, além de socialmente injusta, quebra a coesão territorial. Estudos recentes demonstram como é nos territórios menos favorecidos pela PAC que se encontra maior vulnerabilidade aos incêndios rurais. Garantir uma distribuição equitativa destes apoios é não só importante para responder às debilidades económicas e sociais nos territórios mais frágeis, como também uma opção indispensável para reconstruir os territórios devastados pelos incêndios e prevenir incêndios futuros. Uma política de equidade e de resposta ao interesse público tem de incluir o trabalho e a qualidade do emprego como critérios na aplicação de apoios.